domingo, 16 de maio de 2010
Ufrgs terá Parque Tecnológico
História
Em 5 de janeiro do ano passado, foi criada a Comissão de Implantação do Parque Tecnológico da UFRGS. Formado por professores e técnicos, o grupo tinha por missão elaborar um projeto em que fossem previstos a independência tecnológica do país pelo desenvolvimento da inovação, o estímulo à incubação da pequena e da microempresa para inserção no mercado gaúcho e brasileiro, entre outros aspectos.
No mês de setembro de 2009, foram realizadas reuniões da comissão com representantes do DCE, ASSURGS e ADUFRGS e, no dia 25 de novembro, o projeto foi entregue ao reitor para posterior encaminhamento e análise do Conselho Universitário (Consun). A reunião do Consun, inicialmente marcada para o dia 18 de dezembro, não pôde ocorrer pelo pedido de vista da representante discente no conselho, alegando não ter havido tempo suficiente para a análise da proposta.
No encontro recente de 5 de março, a votação do mérito do Parque Tecnológico também foi impedida, dessa vez por manifestantes que bloquearam o acesso de todos os membros da comunidade acadêmica ao prédio da reitoria. Como encaminhamento aos protestos, foram realizados dois debates públicos abertos nos dias 23 e 31 de março nos Câmpus do Vale e Central, respectivamente.
Em 9 de abril, foi julgado, finalmente, o mérito da implantação do Parque. A sessão foi transmitida pela UFRGS TV para a Sala II do Salão de Atos, onde estudantes, técnicos e professores acompanharam o andamento da discussão. Após diversas manifestações dos conselheiros e sugestões de emendas, o reitor Carlos Alexandre Netto anunciou o resultado: aprovado.
Foi aprovada também a emenda sugerida pelo professor Paulo Eduardo Mayorga Borges de somar, a toda ocorrência no texto do projeto, das palavras empresa e/ou companhia, a expressão “e outras organizações da sociedade civil”. Também foi decidido pelos conselheiros adicionar um 23.º objetivo ao Parque: estimular o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, limpas e renováveis – opinião emanada do representante discente Marcus Vinícius Rossi da Rocha.
Para os dois meses seguintes, a pauta é discutir como será feita a gestão do Parque e o que deve constar em seu regimento. Como os debates foram produtivos, serão promovidos outros sobre os novos temas, porém as datas e os locais ainda não estão definidos. O andamento deve ser dado no segundo semestre deste ano, sob pena de perder financiamentos importantes, conforme informou o professor João Schmidt, pró-reitor de Pesquisa e coordenador da Comissão de Implantação.
Para colaborar com a discussão sobre o tema, o Jornal da Universidade apresenta tópicos do projeto do Parque Tecnológico, além de reproduzir a avaliação de diferentes setores da sociedade, bem como da comunidade acadêmica, empresarial e científica.
DEPOIMENTOS
CARLOS ALEXANDRE NETTO, reitor da UFRGS, informou que a discussão do Parque Tecnológico já aconteceu em sua primeira parte, porque o entendimento era de que precisava ter feito o pronunciamento quanto ao mérito: se queríamos ou não ter um parque tecnológico na Universidade. A segunda página da discussão é o regramento, o detalhamento do regimento interno do Parque. “Também vamos discutir isso em reuniões públicas. Serão prédios nos quais abrigaremos laboratórios que, em parcerias com empresas, irão desenvolver processos e pesquisas de interesse no desenvolvimento tecnológico. É importante dizer que todas essas pesquisas são financiadas em parceria com o Governo Federal. Então, não se trata de a Universidade vender a sua capacidade de pesquisa. Nós temos, hoje, um número grande de laboratórios que já fazem desenvolvimento para a Petrobras, uma interação de 30 anos. Os principais parceiros da Universidade são estatais que têm recursos e querem construir prédios aqui.”
EDUARDO ROLIM, representante da Adufrgs, afirmou que a combinação de excelência acadêmica com responsabilidade social leva a pensar que o papel da UFRGS como formadora de ciência e tecnologia no país (“e somos os melhores formadores nessa área no estado”) também tem que ser combinado com ideias. “A dicotomia entre ciência pura e aplicada é falsa. Ambos os papéis são importantes.” Para ele, o Parque Tecnológico é somente um das formas de interação da Universidade com a sociedade, e é assim que tem de ser entendido. Manifesta, porém, algumas restrições para uma implantação devida desse órgão dentro de uma universidade pública: “Não entender e não querer aceitar que haja um parque tecnológico é ir contra um princípio da liberdade. Somos favoráveis à construção do Parque, entretanto, ele deve ser feito de uma forma regulada, transparente, pública, mas em hipótese alguma temos de ir com a ideia de que um parque tecnológico é algo ruim para a sociedade e para a universidade pública”.
BERNARDETE MENEZES, representante da Assufrgs, destacou que nunca viu em lugar algum do país estudantes querendo discutir pesquisa. Para ela, não é à toa que isso aconteça na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Queremos discutir qual é o papel que vai ter o Parque e sua função social. Não queremos discutir só a produção de um ou dois produtos, queremos discutir o papel de uma universidade sustentada por técnicos. Qual a produção que esse Parque vai ter para dar retorno a essa população? Porque o parecer coloca que a missão central do Parque, ao contrário dos princípios apresentados pela professora Raquel Mauler (e quero que esses, sim, estejam no parecer), é a relação Universidade-empresa-mercado. A missão, para nós, é servir à sociedade.” A técnica comentou a ausência de discussão do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional), ao qual o Parque, segundo Bernardete, deveria estar vinculado. “Nós, enquanto Assufrgs, queremos um PDI democrático, que os técnicos não estejam alienados do processo da produção da Universidade.”
RICARDO FELIZZOLA, presidente do Conselho Administrativo da Altus, empresa de automação industrial, e membro do Conselho Universitário (Consun), destaca a importância da Universidade de adaptar-se à realidade mundial, no que tange ao desenvolvimento de pesquisa em parceria com o setor empresarial. Nesse sentido, ele reconhece o “fantástico trabalho dos professores-pesquisadores” e ressalta que o conhecimento
produzido na Universidade se constitui em patrimônio da sociedade gaúcha. Por outro lado, ele critica as ações “não democráticas” de grupos minoritários que buscam emperrar a implantação do Parque Tecnológico, mas não considera que seja tempo perdido, pois acredita que a democracia tem um valor muito maior e independe do tempo que se leva para atingi-la.
RUALDO MENEGAT, professor do Departamento de Paleontologia e Estratigrafia, comenta que a aproximação com o setor empresarial pode mudar a visibilidade a ser dada ao estudo, além de permitir melhor controle pela academia. Entretanto, adverte sobre a importância de a comunidade não vir a substituir a sua moeda acadêmica – que é o conhecimento – pelo dinheiro. Para ele, conhecimento não combina com riqueza: “O dinheiro ofusca a verdade; empalidece a busca da verdade”. Rualdo destaca que a academia agrega aqueles que aprenderam a ensinar e a formar excelentes profissionais, que aprenderam a pesquisar com o CNPq e com todos os programas de fomento. “Agora, nos últimos 15 anos, estamos aprendendo a trabalhar com as grandes indústrias.” Aspecto que ele considera importante, mas afirma ser necessária cautela, porque os critérios da indústria não são, necessariamente, nem os acadêmicos nem os do ensino. “Por isso temos de ter cuidado como acadêmicos – mesmo que discordemos das políticas do CNPq e dos comitês de avaliação –; eles são nossos pares.”
EDUARDO MOACYR KRIEGER, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciência, não vê com surpresa a aproximação das universidades com o setor empresarial e industrial. Para o pesquisador, essa aproximação vem ocorrendo em nível mundial e é especialmente importante em países em desenvolvimento como o Brasil. “É a forma encontrada de acelerar a transferência de conhecimento”, comenta, e acredita que isso possa ser feito sem que a universidade regrida em sua missão. Por outro lado, recomenda precaução devido ao caráter distinto das entidades em questão. “Enquanto a lógica da universidade é cultural, de criação de novo conhecimento, consciente do passado e com vistas ao futuro; a lógica da empresa é inovação e o lucro.” Em sua análise, Krieger amplia a função do Parque Tecnológico, não restringindo sua atividade à aproximação com as empresas. Para ele, o Parque deve cumprir a responsabilidade social da Universidade, fazendo retornar à sociedade o conhecimento produzido por seus pesquisadores: “É um compromisso mais amplo”, conclui.
MARCEL VAN HATTEM, representante do Diretório Central dos Estudantes nos debates, citou um parecer da estudante Paula Britto Agliardi, de dezembro de 2009, representante discente pela gestão antiga do DCE, manifestando contrariedade ao projeto do Parque Tecnológico: “Não se reconhece o mérito como adequado a uma universidade pública como a UFRGS e não há um entendimento de que exista uma efetiva necessidade de sua implantação”. Seguiu dizendo que esse parecer não pôde ser avaliado pelos membros porque, desde então, as votações foram emperradas. Quanto ao mérito, ou seja, a importância de ter ou não um parque, Hattem acredita que a maioria esmagadora da Universidade é favorável a sua implantação. “Como ele vai funcionar, é uma discussão para um segundo momento, a discussão do seu regimento. Por isso, temos a convicção de que debates a esse respeito são muito importantes. O DCE Livre lançou seu fórum em defesa do Parque.” Respondendo a certos argumentos, desferiu: “Falar em privatização da Universidade em pleno século XXI, como se isso fosse argumento contrário ao parque, é anacronismo”.
MARCIANO TOLEDO DA SILVA, do Movimento dos Pequenos Agricultores, participou do debate para justificar a relação da Via Campesina com a UFRGS: “Decorre daquilo que ela produz, como conhecimento e recursos humanos. Assim como qualquer cidadão, fazemos uso de tecnologias, mas as nossas são relacionadas à produção de alimentos, à saúde, à educação”. Segundo ele, a análise da proposta do Parque permitiu trazer outros temas para discussão, como o uso, o controle e o financiamento da tecnologia, bem como a postura dos seus usuários. “Quais são os usuários que de fato estarão presentes no processo de implantação? Como se dará o controle social por parte da Universidade? Me preocupa uma conceituação nova de extensão, que se reduziu a um processo de prestação de serviços. O que o Parque Tecnológico poderá ser se inovar, se for além do que existe em experiências de âmbito nacional e se contrastar com outras experiências de parques tecnológicos? Como ampliar a discussão e as oportunidades que um parque tecnológico pode oferecer para a UFRGS e para a sociedade?”
JOÃO SCHMIDT, pró-reitor de Pesquisa da Universidade, integrante da comissão que elaborou o projeto do Parque Tecnológico, afirma que o espaço físico a ser oferecido pelo parque será destinado a empresas e a entidades públicas ou privadas que tenham interesse em colaborar – com pesquisa, desenvolvimento e inovação – com a Universidade. Tais instituições poderão construir ou locar espaços para a construção de seus laboratórios a fim de desenvolver pesquisa. “Não haverá produção em larga escala”, assegura o pró-reitor, somente o necessário para a testagem dos produtos. Schmidt ressalta que são muitos os países que já realizam com êxito essa aproximação com o setor empresarial, resultando em novas indústrias e empresas. Segundo ele, a experiência da UFRGS nesse sentido é antiga. Dá como exemplo o setor da Informática: “Toda indústria de informática no Rio Grande do Sul nasceu na Universidade. Os primeiros produtos tecnológicos produzidos aqui geraram empresas fora e, a partir de então, se multiplicaram em todo o estado”.
MARIA ALICE LAHORGUE, professora de economia regional nos programas de pós-graduação em Economia e em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, destaca o caráter híbrido do parque por integrar tanto elementos do mercado como da academia. Nesse sentido, ela ressalta a importância de a Universidade definir previamente: “Onde quer chegar? Que setores quer fomentar? Como será o investimento e o reinvestimento? Como dará sustentabilidade a essas ligações, que no início parecem absolutamente certas, e como isso a longo prazo acontecerá?”. Lahorgue lembra ainda a concepção mais atual dos parques tecnológicos, que, embora dentro das universidades, devem estar inseridos na plataforma do desenvolvimento sócio-econômico geral: “Isso faz parte de nossa responsabilidade social”. Na opinião da ex-secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC/RS), a Universidade precisa discutir não só suas estratégias institucionais – lembra do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que até hoje não temos, infelizmente –, mas também rebater as estratégias nacionais em muitos pontos.
Dúvidas mais frequentes
Desde a abertura pública para discussão a respeito da implantação do Parque Tecnológico, incluindo a cobertura midiática e os próprios debates oficiais promovidos pela Universidade, alguns pontos contraditórios foram levantados. Segue um levantamento desses elementos e sua respectiva explicação.
- Universidade não será privatizada O espaço físico para a implantação do Parque Tecnológico é da União, e sua estrutura será vinculada à Universidade, submetida aos regramentos internos da instituição e por ela administrada.
- Parque Tecnológico não é chão de fábrica. Não há reserva de espaço físico no Parque Tecnológico. Haverá uma licitação pública, com preço de mercado, para a ocupação por 20 anos. As próprias empresas vencedoras constroem os seus laboratórios e salas de funcionamento. O modelo de Parque é o da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e não o Tecnopuc.
- Estudantes não serão mão de obra barata Justamente pelas empresas estarem dentro da Universidade, o estágio não será considerado uma forma de obter trabalho qualificado por menor custo. O Parque ainda objetiva oferecer novas oportunidades de iniciação profissional para os alunos egressos e garantir o desenvolvimento social e humano.
- Não serão desalojadas famílias do entorno do Câmpus do Vale. A área para a construção é inteiramente da Universidade, onde não existem ainda edificações, e não há ocupação ilegal com residências.
- Parque incluirá tecnologias sociais. De acordo com a responsabilidade social da Universidade e o compromisso com a inovação também nessa área, o projeto contempla a “tecnologia social”.
- Não haverá destruição de mata nativa. O Parque Tecnológico da Universidade já obteve seu licenciamento ambiental junto aos órgãos do Meio Ambiente. Essa discussão já foi finalizada.
- A UFRGS não será um playground da Fiergs objetivo é fazer com que a criatividade e a inovação sejam um meio de prevalecer sobre as grandes corporações e estimular a micro, a pequena e a média empresas. O Parque será um Órgão Especial de Apoio da UFRGS e de forma alguma será gerido pela iniciativa privada.
Onde fica
Localizada no Câmpus do Vale, a área proposta para a Fase 1 do Parque Tecnológico é de 13 hectares (130 mil m2), incluídas áreas de preservação. A área total do Câmpus do Vale é de aproximadamente 630 hectares, sendo que um pouco mais da metade é área de preservação ambiental.
A Universidade já dispunha da liberação da Prefeitura de Porto Alegre para a ocupação da área correspondente à primeira fase, bem como das licenças ambientais correspondentes, antes mesmo de a proposta ser aprovada pelo Conselho Universitário. Outras áreas poderão, no futuro, fazer parte do Parque, que se pretende multitemático e cuja disponibilização será tema de decisão posterior do Consun.
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