Adriana Donato
As artes há muito tempo se encontram ligadas a pessoas de poder e status. Na Grécia antiga as artes plásticas serviam à arquitetura e às esculturas. Péricles, grande patrocinador das artes, contratava os trabalhos de artistas e arquitetos, reconhecidos em seu meio. As finalidades eram quase sempre religiosas; homenagens aos deuses. As obras eram públicas e patrocinadas pelo Estado.
Em Roma não era muito diferente, a cultura artística sempre esteve a serviço da arquitetura, da religião, dos imperadores romanos, que eram seus principais patrocinadores.
No renascimento o sistema das artes estava nas mãos de políticos e religiosos. De fato, o patrocínio sempre proporcionou o surgimento de grandes nomes nas artes. Governantes europeus, o clero e, mais tarde, a incipiente burguesia, propiciaram apoio financeiro aos artistas, e, dessa forma, os “mecenas”, tornavam-se reconhecidos no meio social onde atuavam, principalmente, no meio religioso.
Na Itália, artistas trabalhavam em prol da igreja, como foi o caso de Michelangelo ao pintar a Capela Sistina. Outros, para garantir sua sobrevivência e a continuidade de sua atuação, ligavam-se a nobreza, às municipalidades ricas, ou às grandes famílias burguesas, quando atuavam como mestres e preceptores dos jovens.
Uma nova concepção nas artes plásticas surge com a burguesia, estabelecendo um contraponto a cultura medieval.
O novo estrato social investe na construção de palácios no centro das cidades, nas igrejas, catedrais e capelas, fixando seus brasões na entrada das portas, homenageando seus heróis através da construção de gigantescas estatuas colocadas nas praças e locais públicos, além de quadros e gravuras no interior de prédios públicos, buscando sempre uma forma de destaque em relação aos santos ou as cenas do evangelho. Assim, surgem os novos mecenas , os financiadores de uma nova cultura.
No princípio do renascimento, meados do século XV, os artistas começam a conquistar a criação individualizada. Criavam em seu ateliê, conquistando uma parcela de liberdade, mas ainda sob tutela dos mecenas. Em Florença, a família dos Médici, por exemplo, foram guardiões de renomados artistas.
No século XV, artistas como Verrocchio, Donatello, Botticelii, eram considerados artesãos de um grau superior . Além de quadros, são produzidos brasões, bandeiras, entalhes em madeira, padrões de tapeçaria entre outros. A arte começa a ter um valor de mercado.
Neste período, o valor de um quadro passa a ser medido também pelo prestígio da assinatura do artista. Seus protetores, ou patrocinadores, começam a valorizar o trabalho de arte, ampliando o valor de mercado, ao ponto de, quanto mais rápido um artista produzisse, maiores encomendas ele receberia . Alguns artistas recebiam honorários e salários para produzir.
Ocorre que, foi nessa época que os artistas ensaiaram passos de liberdade em relação aos mecenas. A insurgência era uma busca pela liberdade para o ato de criar. E não mais criar por encomenda, alcançando a liberdade da criação por si só. Um dos precursores foi Leonardo da Vinci, que começa a substituir a imitação do real por estudos da natureza.
A mudança fundamental ocorre no cinquecento. Em vez de protegidos pelos mecenas, os artistas passam a ser grandes senhores . A artista passa a ter sua própria glória e o patrocinador agora se torna importante por patrocinar um grande artista.
No século XVII, surgem os primeiro museus, a partir de doações de coleções particulares. “O primeiro museu público só foi criado, na França, pelo Governo Revolucionário, em 1793: o Museu do Louvre, com coleções acessíveis a todos, com finalidade recreativa e cultural”.
No final do século XVIII, começam a ser valorizadas as coleções particulares, por amadores e especialistas das artes. Ocorre uma substituição do mecenato do Estado, para um mecenato particular. Aqui começa um novo tipo de investimento nas artes, podemos dizer que, nesta época começa a se desenvolver um mercado de arte.
Com o surgimento da fotografia em meados do século XIX, os artistas não são mais requisitados a pintar os retratos dos seus governantes e suas famílias. O artista passa a ter maior liberdade, afastando-se da arte de mera cópia da realidade. É o inicio de uma nova filosofia nas artes plásticas, a arte pela arte. Sobretudo, uma arte que não está a disposição de algo ou de alguém. O que falta agora é o capital.
Ainda no século XIX, o artista sai do seu ateliê em busca de novos horizontes. A arte está para satisfazer seus desejos internos, mas continua um romântico. Monet, Manet, Van Gogh, Toulouse Lautrec, Cézanne, se expressavam por meio da pintura, sua percepção do mundo. Picasso, Braque, André Lhote, através de suas obras, refletiam uma visão social e política. Salvador Dalí, André Breton, Miró, suas inspirações estavam voltadas para uma pintura surreal.
A partir da visão capitalista e os mecanismos de democratização da cultura, mudou-se a visão tradicional da arte. Com o surgimento das galerias de arte, essa passa a ser vista como um objeto de consumo. O que reafirma o mecenato privado.
A arte moderna fez com que a “arte” tomasse novos rumos. O artista francês Marcel Duchamp, percebe que o mercado da arte está mais vivo do que nunca e que na verdade nunca morreu. Motivo que o levou a colocar o seu famoso mictório branco em um salão de arte, e que, mesmo tendo sido recusado, é compreendido como a obra mais influente da história, à frente de “Les Demoiselles d’Avignon” de Pablo Picasso, segundo pesquisa divulgada em Londres.
Século XX, a arte contemporânea está inserida mais do que nunca no mercado da arte. Os mecenas voltam a decidir qual arte querem patrocinar. Além da dificuldade de atrair público e clientes, os artistas lutam por conseguir patrocinadores. E nessa cadeia, opera a aristocracia – que agora é o governo – e o empresariado se apresentam como poderosos mecenas, buscando visibilidade assim como benefícios fiscais. Nos últimos anos, a cultura passou a receber atenção maior no panorama mundial, nesse sentido, no Brasil, em 1986 surge a 1º lei de incentivo à cultura, Lei Sarney. Mais tarde, em 1991, a Lei 8.313/91 – Lei Rouanet, lei de mecenato, ou, de renúncia fiscal. No século XXI os artistas voltam à busca de patrocinadores.
O desafio do momento não é pintar a Capela Sistina por encomenda da Igreja, mas criar uma obra de arte, por encomenda dos mecenas do século XXI. E quem são eles?
No mercado das artes plásticas houve um crescimento nas coleções particulares devido aos leilões e às galerias de arte. Nos Estados Unidos e na Europa, até o início da década dos anos 90, havia um acompanhamento sistemático do mercado das artes plásticas. Os indicadores seguiam a valorização das obras de determinados artistas consagrados. Com a crise no mercado das artes visuais, esse acompanhamento caiu. Entre 1950 e 2000 as obras renderam algo em torno de 1,6% ao ano nos países do hemisfério norte . No Brasil o investimento nas Artes Visuais ainda é muito recente, podemos dizer que ele começou após os anos 80.
Por outro lado, o crescimento econômico, é um dado comprovado em algumas regiões onde foram criados grandes museus com esse propósito, o fenômeno Guggenheim em Bilbao (Espanha), museu construído em 1997, que teve grande impacto econômico, no primeiro de visitação, em 1998 recebeu 1.275.000 visitantes. No Brasil, o “Museu de Arte Contemporânea” de Niterói (Rio de Janeiro), que também movimenta a economia local.
Mas nem todos são financiados por renúncia fiscal, à respeito do tema, esclarece Gunter Axt: “O MoMa”, por exemplo, pode hoje, se necessário fosse, funcionar durante anos sem cobrar ingressos, vivendo apenas de seus fundos. (…) Outro mecanismo frutífero é a Lei da Doação, um dos fundamentos da política cultural na França, aprovada em 1968. Foi ela que viabilizou a formação de importantes acervos, como o do Museu Picasso ou parte significativa do Museu D’Orsay, ambos em Paris. (…). Em 40 anos, ela vitaminou o turismo cultural, embalou o mercado de galerias e de críticos de arte, garantiu a manutenção dos bens culturais no País, produziu um acervo de valor incalculável e trouxe para as declarações de imposto de renda um amplo leque de bens móveis”.
Para Danilo Santos de Miranda , no Brasil, o segmento cultural movimenta 1% do PIB (equivalente a 7 bilhões de reais), no entanto o orçamento destinado à cultura via Ministério da Cultura é de 0,02% do PIB, através da Lei de incentivo à Cultura, também conhecida como Lei Rouanet (Lei 8813/91), por meio de patrocínio com benefício de isenção fiscal às empresas patrocinadoras.
O artista nos dias de hoje, precisa buscar por meio de leis de incentivo à cultura os recursos financeiros para realização de seu projeto. As empresas privadas decidem quem irão patrocinar, ocupando um espaço de mecenas do patrimônio artístico. O mecenato tomou novos rumos, todavia a história se repete o que mudou foi a forma de patrocínio.
. Sobre "Adriana Donato "
Artista Visual, Pesquisadora em Gestão e incentivo em Artes Visuais. É Gestora Cultual, Curadora e Parecerista do Ministério da Cultura.
André disse:
Não é de hoje,que a arte acompanha a economia de mercado. Se num primeiro momento da história, a arte, representava uma visão da realidade percebida pelo artista, hoje conecta-se a economia, tornando-se parte do sistema capitalista como ativo financeiro.
.# 7 maio 2010 as 15:21
Laé de Souza disse:
A dificuldade de patrocínio dos projetos culturais é uma coisa que me incomoda e que sempre me questiono qual a seria a política ideal. O interesse de um patrocinador nem sempre é voltado para o interesse da arte. Muitas vezes o seu desejo é de visibilidade da sua marca e não a cultura.
Em mais de dez anos no desenvolvimento de projetos de incentivo à leitura, a cada ano é uma agonia a busca do patrocínio. E aí penso: se tenho resultados positivos que posso mostrar ao patrocinador e é uma luta, imagine a dificuldade daquele que está iniciando. Tenho conhecimento de boas ideias que se perdem por falta de patrocínio. Muitos, até de custos baixos.
Qual a forma ideal de ter uma política cultural justa e oferecer oportunidades para projetos sérios, me questiono sempre. A Lei Rouanet é uma alternativa que viabiliza, mas muitos não conseguem o seu benefício por não alcançarem os patrocinadores.
Laé de Souza – Escritor e Produtor Cultural
.# 9 maio 2010 as 9:16
Adeli Sell disse:
Adriana,
Muito bem colocado o problema.
Infelizmente, as empresas patrocinam coisas que às vezes nada tem a ver…
Noutras quem leva são os amigos.
Já os bons artistas penam.
Adeli Sell
Vereador
Um comentário:
Adeli! Não poderia deixar de comentar aqui o quanto teu blog está super! Adoro receber teus boletins diários, dividir a blogosfera e trabalhar contigo sempre, sempre. Muitas coisas boas ainda virão e estás de parabéns pelo upgrade na comunicação do PT.
Um beijo grande da Ester
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