Por Igor Natusch,
Sul 21
Com início agendado para o próximo dia 7 de setembro, a Semana Farroupilha deve acender a chama crioula debaixo de suspeição. Além de representação que tramita no Tribunal de Contas do Estado, referente à prestação de contas do evento em 2010, a comissão organizadora do evento está sem representantes da Câmara municipal – que acusam a organização, a cargo do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), de varrer uma série de irregularidades para baixo do tapete.
A comissão formada para coordenar a Semana Farroupilha em 2011 deveria contar com a presença de dois vereadores, para garantir a fiscalização da Câmara sobre os preparativos do evento. Foram encarregados da tarefa os vereadores Adeli Sell (PT) e Bernardino Vendruscolo (PMDB). Ambos estão, no momento, fora da comissão – Bernardino desistiu de participar antes mesmo dos encontros serem realizados, enquanto Adeli Sell desligou-se do grupo na semana passada.
“Não posso compactuar com coisas que estão sendo feitas de modo errado”, diz Adeli Sell, em conversa com o Sul21. Segundo ele, o conselho consultivo cumpre um papel meramente formal, já que as decisões chegam prontas, sem espaço para discussão. Bernardino Vendruscolo, por sua vez, diz que desde 2009 tem realizado trabalho de fiscalização sobre a Semana Farroupilha, tendo comprovado uma série de irregularidades no período. “Já tinha inclusive encaminhado à Justiça o pedido de investigação”, conta o vereador. “Seria uma incoerência participar. Te confesso que cheguei a pensar que era com o objetivo de me desencorajar”.
“É o nosso Natal Luz”, diz vereador petista
“O Acampamento Farroupilha é o nosso Natal Luz”, diz Adeli, lembrando o evento da serra gaúcha, alvo de recente denúncia do Ministério Público. A comparação tem razão de ser. A exemplo dos promotores do evento em Gramado, o Movimento Tradicionalista Gaúcho criou uma entidade específica para tocar os preparativos, a Fundação Cultural Gaúcha – MTG. É ela quem gerencia os recursos levantados para a realização tanto do Acampamento quanto do Desfile Farroupilha, coordenando a distribuição dos piquetes e tratando com as empresas que oferecem serviços terceirizados. A comissão encarregada de promover os dois eventos, que também conta com membros da Secretaria de Cultura de Porto Alegre, de entidades empresariais e vereadores, tem poder deliberativo e fiscalizador — mas é o MTG quem controla, na prática, os preparativos.
Uma série de gastos feitos pelo MTG são alvo de questionamento por parte dos parlamentares. Um exemplo está nos contratos firmados para os banheiros químicos colocados no Parque Farroupilha. Em 2010, os banheiros foram orçados em R$ 980 a unidade. Para este ano, os valores do aluguel são de R$ 800 por banheiro – uma redução significativa de custos, segundo a organização da Semana Farroupilha.
O problema é que esses banheiros podem ser encontrados no mercado por valores bem inferiores. A denúncia apresentada por Bernardino Vendruscolo ao Ministério Público de Contas mostra que, em 2010, os banheiros químicos foram locados a particulares por valores entre R$ 300 e R$ 450. A empresa ADM, do grupo Eurobrás, teria feito proposta para oferecer banheiros químicos a R$ 450 a unidade durante o evento do ano passado, mas foi impedida de participar da concorrência por problemas de documentação. Em depoimento ao vereador peemedebista, a ADM garante ter fornecido cerca de 100 banheiros químicos a particulares durante o mesmo evento, cobrando valores de R$ 300 a unidade.
Segundo os vereadores, não há prestação de contas sobre boa parte dos valores arrecadados com estacionamento e com as bailantas, ainda que sejam realizadas em terreno público cedido à organização. “São quantidades enormes de dinheiro, sobre as quais o município não tem controle”, protesta Adeli Sell. O vereador Vendruscolo diz que, no início de 2010, foram solicitadas as notas fiscais e recibos referentes ao evento de 2009, como forma de esclarecer pontos obscuros na prestação de contas. Após três tentativas, o MTG apresentou documento no qual questionava a competência dos vereadores para fiscalizar a matéria, alegando que a função cabia exclusivamente ao Ministério Público.
“Consta no próprio contrato assinado todos os anos por eles que o MTG deve submeter-se à fiscalização do município. Recebem doação do município, fazem uso de área pública e não querem que a gente fiscalize”, lamenta. Para o vereador do PMDB, boa parte dos gastos feitos em uma determinada edição — em especial de infraestrutura e eletricidade — deveriam valer pelas edições seguintes, não havendo sentido em que sejam repetidos ano após ano. “Fazem questão de gastar com as mesmas coisas”, afirma. “Não dá para compreender isso, fica muito claro para nós que tem coisa errada acontecendo”.
Procurador pede averiguação de irregularidades
As irregularidades na prestação de contas relativa a 2010 foram apresentadas ao Ministério Público de Contas do RS pelo vereador Bernardino Vendruscolo (PMDB), que recusou-se a participar do conselho consultivo, mesmo tendo sido designado pela Câmara municipal para tal. Como recursos de órgãos públicos da esfera estadual e municipal são repassados para a Semana Farroupilha, o MPC-RS efetuou a análise e constatou várias inconsistências na prestação de contas do evento.
Após receber o relatório de Bernardino Vendruscolo, o procurador-geral Geraldo da Camino solicitou ao Tribunal de Contas do Estado que averiguasse possíveis irregularidades na prestação de contas da Semana Farroupilha de 2010. No pedido, são listadas falhas em contratações feitas sem licitação, deslocamento de recursos para outras finalidades, falta de lançamento de recursos recebidos e ausência de comprovação para despesas listadas na prestação de contas, entre outras.
De acordo com a representação do MPC-RS, o evento captou junto a empresas como Aracruz, Nestlé, Termolar e Rede Record valores de até R$ 30 mil, sem que haja registro posterior dos respectivos lançamentos. Uma van, supostamente sem ligação com as atividades da Semana Farroupilha, teria sido adquirida em nome da Fundação Cultural Gaúcha – MTG com recursos captados especificamente para o evento. A mesma situação se verifica em outras aquisições, como de material de construção e móveis para o prédio da biblioteca do MTG e uma câmera de vídeo para uso da TV Tradição. Ao todo, a prestação de contas registra comprovantes e notas fiscais em um valor total de R$ 658 mil, enquanto o total de despesas é R$ 2,3 milhões – mais de R$ 1,6 milhão de diferença.
Contatada pelo Sul21, a assessoria de imprensa do MTG disse que só se pronunciaria após um posicionamento do Coordenador de Nativismo da Secretaria Municipal de Cultura, Vinicius Brum, representante da prefeitura de Porto Alegre na comissão organizadora. A reportagem não conseguiu contatar Brum até o fechamento da matéria.