24 horas depois do furacão Sandy atingir Nova York, em 28 de outubro, o prefeito Michael Bloomberg anunciou que a secretária de Transportes, Janette Sadik-Khan, tinha um plano para o caos que se instalou no trânsito da cidade --sem metrô e sem semáforos, graças ao blecaute.
"Só carros com três passageiros ou mais poderão entrar em Manhattan. Até o fim de semana, os ônibus circularão com a catraca livre", determinou.
Os nova-iorquinos já se acostumaram com as medidas às vezes radicais da mulher que manda no trânsito da maior cidade americana.
Em cinco anos no cargo, a superpoderosa secretária de Transportes de Nova York abriu 450 km de ciclovias, 50 km de corredores de ônibus e fechou várias praças aos carros --a mais famosa delas, a Times Square, tornou-se um grande calçadão.
Reduziu o número de pistas da Broadway pela metade, dobrando as calçadas dos dois lados e espalhando cadeiras e mesinhas.
Ciclovias NY
Pela velocidade com que está transformando a paisagem nova-iorquina, ela é amada por ciclistas e odiada com igual intensidade por taxistas.
Magra, com corpo forte de quem pedala e faz ioga, um orçamento anual de R$ 4 bilhões e mais de 4.500 funcionários em sua equipe, Janette, 51, é igualmente retratada em reportagens de urbanismo e em publicações de estilo.
É uma rara política de olfato fashion, bronzeada e de corpo torneado, destoando do clichê das burocratas de tailleurs.
Formada em ciência política e em direito pela Universidade Columbia, era vice-presidente de uma grande empresa de engenharia quando foi "descoberta" por Bloomberg.
"Antes, a política de transporte se resumia a aumentar a velocidade dos carros na cidade. Para mim, o mais importante de tudo é priorizar o pedestre, o ciclista e o transporte público", disse à Serafina, em seu escritório, em um arranha-céu com vista para o East River e o Brooklyn, no distrito financeiro de Manhattan.
SECRETÁRIA DAS BIKES
"Diziam que os lojistas da Times Square perderiam muito dinheiro quando fechássemos a praça ao trânsito, e o contrário aconteceu. A renda do varejo duplicou em três anos, a frequência triplicou, e os pedestres, quando podem circular em paz, acabam gastando mais ali", explica.
"O espaço para carros e pedestres estava distribuído de forma desigual, havia 70 pedestres para cada dez carros."
Depois dessa experiência, ela acabou fechando pistas ao lado da Madison Avenue e da Herald Square e transformando parte da Broadway em um semicalçadão. Mais de 50 pracinhas como essa foram criadas em quatro anos.
"Tudo foi feito de forma simples, com mesas e cadeiras baratas. Se desse certo, faríamos algo de longo prazo, com design melhor", conta, dizendo que as obras definitivas para a nova Times Square começam no final do ano, com projeto dos arquitetos do escritório norueguês Snohetta.
Os críticos da secretária, entretanto, a acusam de impor esses "testes" como algo permanente. "Mudar um banco de praça na cidade pode levar anos de burocracia. Por isso, fazemos algo mais simples, de forma direta, para medir o resultado", rebate.
Janette também recebeu saraivadas pela pressa com que implantou as ciclovias (em cinco anos, ela fez 450 km; São Paulo tem 55 km de ciclovias e 67 km de ciclofaixas, que funcionam aos domingos).
A secretária já foi processada por moradores do bairro Prospect Park, no Brooklyn, que se opunham à ideia (eles perderam a ação).
O tabloide "New York Post" fez piada com o seu cargo e a chamou de "secretária das bicicletas". Mesmo gente da prefeitura já criticou a extensão das ciclovias.
O secretário de Segurança, Ray Kelly, disse que nem sempre concorda com ela e que "a criação das ciclovias aumentou a responsabilidade dos policiais em tempos de mão de obra escassa".
Ela defende a cria: "As ciclovias reduziram em 40% o número de acidentes com ciclistas na cidade. Quando o ciclista precisa se aventurar no meio dos carros, sem proteção, ele é muito vulnerável, como acontece com os pedestres".
Outra obsessão da secretária é aumentar a velocidade dos ônibus. "Eles precisam ser competitivos com o carro e o metrô."
Janette fez um estudo que listou 400 variáveis que interferem na velocidade dos veículos, da cobrança da passagem à maneira como a cidade poda suas árvores, asfalta as ruas ou bloqueia os maiores cruzamentos. "Vamos resolver um por um", promete.
"Trabalho para Bloomberg, que é movido a números. Preciso ter todos os dados na ponta da língua", brinca, e dá uma risada alta. Fica evidente que adora o que faz.
Não para de receber pedidos de missões de prefeitos e governos, de Istambul ao México e outras grandes cidades americanas, que querem conhecer suas soluções mais de perto.
Circulando agitada pelo escritório, enquanto mostra gráficos e maquetes do que está por vir em Nova York, ela conta que o programa de compartilhamento de bicicletas (que já existe em São Paulo e no Rio), inspirado nos sucessos de Paris e Barcelona, só começará em março.
"Estamos chegando tarde, mas será um dos melhores do mundo, com 420 postos e 10 mil bicicletas", promete.
SÃO PAULO
Mas ainda há lombadas no trabalho da secretária. Apesar da queda de 75% nas mortes em acidentes de trânsito entre 2007 e 2011, um estudo preliminar da prefeitura diz que as mortes voltaram a subir entre julho de 2011 e junho de 2012.
Segundo esse estudo, o número de mortes anuais no trânsito de Nova York está em 291 (na cidade de São Paulo, são cerca de 1.200).
Mais da metade dessas mortes foi causada por motoristas alcoolizados e desrespeito ao sinal vermelho.
Ela diz que já identificou 25 cruzamentos onde a população de terceira idade se concentra.
Quer que o semáforo seja um pouco mais lento nesses lugares, para permitir que os mais velhos atravessem com segurança.
E vai começar uma nova campanha educativa para os nova-iorquinos, que insistem em atravessar a rua enquanto mandam mensagens de texto pelo celular.
"Todo nova-iorquino se acha um engenheiro de tráfego, cheio de soluções, mas estão muito desatentos na hora de atravessar", reclama.
Janette, que mora com o marido e o filho adolescente no Village e pedala para ir ao trabalho todos os dias, já esteve várias vezes no Brasil, onde sua cunhada morou alguns anos, em Salvador. "Adoro Trancoso, Paraty, Rio, Bahia, São Paulo, a música brasileira, a cultura, as pessoas."
Pergunto se o trânsito de São Paulo tem jeito. "Claro. O solo paulistano é mais propício que o de Nova York para o metrô, e transporte de massa é a solução", diz. "Vocês têm uma cultura vibrante, mas precisam aprender a valorizar o espaço público e o pedestre", alerta.
"Hoje em dia, empresas e talentos podem escolher onde se instalam, a tecnologia facilitou a mobilidade. Quem tiver uma cidade interessante, onde se possa caminhar, conhecer gente, sem ficar preso no trânsito, vai sair na frente na atração de investimentos."
Ela compara com sua cidade: "Em Nova York, só um terço das pessoas vai de carro para o trabalho. E esse número não pode crescer".
Por Raul Juste Lores, Folha de São Paulo
DE NOVA YORK
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