segunda-feira, 18 de março de 2013

Poucas pessoas transformaram tanto a cidade de Nova York quanto Janette Sadik-Khan, a secretária de Transportes


Entre seus admiradores, ela é chamada de “JSK”, em referência ao famoso ex-presidente americano John F. Kennedy. Os inimigos preferem outro apelido, Chaka Khan, em homenagem à exagerada cantora de funk dos anos 1970.

Mas é provavelmente unanimidade entre todos que poucas pessoas transformaram tanto a cidade de Nova York quanto Janette Sadik-Khan, a secretária de Transportes. Desde que foi nomeada pelo prefeito Michael Bloomberg em 2007, ela dobrou a quilometragem de ciclovias na cidade, para um total de 800 quilômetros, e transformou 13 ruas em praças para pedestres, incluindo uma no meio de Times square. Outras 50 estão em construção.

Neste último ano do seu mandato, Janette sentou para conversar com o Valor no seu escritório perto de Wall Street em Manhattan, num edifício que ainda está sendo reparado dos estragos causados pela tempestade Sandy em outubro. Ela falou sobre suas maiores conquistas, seus desafios e sua visão para a cidade do futuro. Disse também que é “louca pelo Brasil”, país que já visitou seis vezes. São Paulo, Rio, Curitiba… mas a sua cidade favorita é Salvador. “Adoro a comida, as barracas e o fato de que a deusa do mar, Iemanjá, seja uma mulher.”

Ciclovias têm sido uma prioridade tão grande do seu governo que algumas pessoas a apelidaram de “secretária de bicicletas”. Por que ciclovias são tão importantes para a senhora e elas podem ser viáveis em cidades como São Paulo, Rio e Salvador?

Janette Sadik-Khan: Ciclovias e bicicletas são uma importante forma de trazer equilíbrio para uma cidade. Quando você olha como as cidades crescem e florescem, em muitos casos você pode mudar o papel do asfalto, para priorizar maneiras mais eficientes de se locomover. Um ônibus pode levar 40 pessoas, enquanto um carro geralmente leva 1. Você pode desenhar uma cidade de uma forma que seja mais fácil caminhar, o que é bom para a saúde e também diminui o impacto ambiental de emissão de dióxido de carbono. E é muito fácil pintar ciclovias, e tornar fácil para as pessoas se locomoverem em duas rodas, e também seguro para todos. Acho que uma das nossas maiores conquistas tem sido melhorar a segurança das ruas de Nova York.

Os últimos cinco anos têm sido os mais seguros nas ruas na história da cidade desde que dados começaram a ser coletados, em 1910. Nossas ruas estão mais seguras, com a adição de 450 quilômetros de ciclovia nos últimos cinco anos; nossas ruas estão mais atraentes, com 50 ruas que estão sendo transformadas em praças para pedestres; nossas ruas estão mais eficientes, com seis novas rotas de ônibus rápido em toda a cidade; nossa infraestrutura está em bom estado de manutenção. Então nossas estradas, pontes e barcos estão nas melhores condições que já tiveram em muitas gerações. Gastamos mais de US$ 5 bilhões nisso apenas nos últimos cinco anos. Em todas as medidas temos feito enorme progresso.

Nossas ruas estavam congeladas no tempo por quase 50 anos. A visão era a de olhar para a rua através do para-brisa e pensar como fazer os carros se moverem o mais rápido possível do ponto A para o ponto B.

Em Nova York, metade dos residentes nem tem carro. Um terço dos moradores se locomove a pé, um terço usa sistema de transporte público e um terço usa carro. O que estamos tentando fazer é incluir as pessoas que caminham e usam transporte, para que elas tenham o mesmo peso no planejamento urbano de uma cidade de uma alta classe mundial. Queremos trazer comunidades para a mesa para participar do planejamento e replanejamento das ruas.

Muitas cidades brasileiras têm um percentual grande de motoristas. A senhora acha que elas podem ter ciclovias viáveis?

Sim, eu acho. Tem muito trabalho para ser feito em São Paulo, por exemplo. Mas a cidade também tem feito muito progresso construindo novas linhas de metrô. Acho que existe um entendimento de que o mundo dos pedestres é importante para o funcionamento e a atratividade da cidade, e também para a vitalidade econômica da cidade, porque os pedestres gastam mais do que pessoas que dirigem ou pessoas que usam transporte coletivo.

Você precisa investir em criar espaços públicos atraentes, porque nos dias de hoje empresas podem mudar para qualquer lugar, pessoas podem viver em qualquer lugar, e existe uma competição mundial para quem pode ser mais “verde”, e essa é uma ótima competição. Existem muitas cidades nos Estados Unidos e no mundo investindo massivamente em ciclovias e sistemas de transporte de bicicletas, porque sabem que são estratégias importantes para uma cidade atrair empresas, pessoas e visitantes.

Mas a criação de ciclovias em Nova York não tem sido um processo fácil politicamente. Alguns bairros se opuseram a elas, e um percentual muito pequeno de nova-iorquinos usa bicicleta para ir ao trabalho, menos de 2%. A senhora acha que a bicicleta vai se tornar um meio de transporte das massas?

O público está na frente dos políticos. Mesmo considerando essa suposta guerra contra as ciclovias, 66% dos nova-iorquinos são a favor delas; 72% dos nova-iorquinos apoiam o programa de aluguel de bicicletas que estamos prestes a implementar. O ciclismo tem quadruplicado na cidade nos últimos cinco anos. Se você constrói eles aparecem, e as pessoas votam com seus pedais. Mas cada vez que você muda o status quo demora um pouco, e sempre tem reação contra. Os nova-iorquinos são muito apaixonados por suas ruas, da mesma forma que tenho certeza que os paulistanos também são.

Numa grande cidade, as ruas são os nossos jardins, a gente interage com elas todos os dias, e mudar a forma como elas operam pode demorar um pouco, mas estamos encontrando exigências para mais ciclovias, mais áreas de pedestres. Se não estivesse funcionando, outras cidades não estariam copiando o nosso modelo.

Estão replicando nosso modelo em Chicago, San Francisco, Washington DC. Acabo de ir a Buenos Aires e eles me contaram que estudaram o website do Departamento de Transporte de Nova York por seis meses e copiaram nossos modelos de ciclovias, ônibus rápido, praças de pedestres. E queremos que as cidades sejam mais sustentáveis, mais verdes, porque as cidades são o futuro. A metade da população mundial vive em cidades, e esse percentual vai crescer dramaticamente nos próximos 30 anos. Temos que fazer tudo o que podemos para que as cidades sejam bem-sucedidas e funcionem para todos. E estamos vendo resultados em dinheiro. Na primeira ciclovia protegida em Nova York, as vendas de varejo aumentaram 49%.

Na área de pedestre que criamos em Dumbo, no Brooklyn, as vendas aumentaram 172%. Quando fizemos o mesmo no norte de Union square, em Manhattan, o número de imóveis vazios diminuiu mais de 40%. O que a gente percebe é um grande apoio de lojas e empresas para essas iniciativas, porque eles perceberam que boas ruas querem dizer bons negócios. Por isso Times square é hoje um dos dez maiores centros de varejo do mundo. Não era esse o caso antes de criarmos áreas de pedestres em Times square. As pessoas não iam à praça para olhar o trânsito. Elas queriam olhar o cruzamento famoso de ruas e agora têm o espaço para desfrutar dessa experiência: 365 mil pessoas usam aquela área diariamente, e 90% do espaço era dedicado aos carros, era totalmente desequilibrado. Muito do trabalho é simplesmente trazer equilíbrio para as cidades, tratar com acupuntura os pontos de congestão, para aliviar os pontos de tensão. É importante para a saúde pública, a segurança, a economia e para ser sustentável.

Criar uma praça de pedestres na Times Square não parece um pensamento muito convencional. Menos ainda em cidades de países em desenvolvimento, como o Brasil. A senhora acha que elas sempre funcionam ou elas podem atrapalhar e criar áreas de congestionamento?

Elas têm que ser colocadas em áreas de grande densidade e atividade, onde há muitas lojas. Desde Times square, que tem uma das estações de metrô mais populosas do mundo, até East Nova York, no Brooklyn, no fim da linha 3 do metrô, num bairro pobre, onde criamos uma área de pedestre que se tornou o orgulho da região. Ela une a comunidade de uma maneira muito importante. Essas áreas de pedestre também cumprem um papel cívico importante: são lugares onde as pessoas se reúnem e conversam, são lugares seguros para sentar-se e relaxar.

Muitas cidades são como Nova York – são ótimas para caminhar, mas não existem muitos lugares para se sentar. Por isso trabalhamos num programa de bancos. Instalamos mil bancos pela cidade. Eles são cruciais para fazer que as pessoas desfrutem a cidade.

Cada cidade é diferente, você tem que adaptar a estratégia dependendo do lugar, tem que considerar os ativos, examinar onde quer crescer, quais são as áreas que precisam de ajuda, e então você considera qual é a melhor combinação de ferramentas – uma área de pedestres aqui, uma passarela acolá, um sistema de ônibus rápido. Não existe uma única fórmula para todos os lugares.

Congestionamentos ainda são um grande problema. O prefeito Michael Bloomberg tentou criar um sistema de imposto sobre o trânsito, mas ele não foi aprovado na Câmara e Senado do Estado de Nova York. Como resolver engarrafamentos?

Em Nova York, eu acho que algum sistema de taxa vai ser adotado. A questão não é se vai ser adotado, mas quando. Temos que usar taxa como uma forma de controlar o trânsito, mas também para gerar recursos para financiar o sistema de transporte público. Temos um dos sistemas mais extensos de transporte público do mundo, 1.160 quilômetros de trilhos, 469 estações, com uma enorme dívida. A única forma de sair do buraco seria por meio de um novo sistema de receita, e um programa de taxa de trânsito é fundamental para isso. O sistema de transporte público de Nova York é o coração da cidade, e a saúde desse sistema está diretamente ligado à saúde da cidade.

Mas como criar um sistema de taxa que tenha apoio público e político?

Temos que examinar todo o sistema. Talvez existam áreas onde podemos diminuir os pedágios, áreas onde não há transporte público. E podemos criar pedágios em áreas com bom transporte público. Examinar quem paga, e qual é a infraestrutura disponível, é uma boa forma de racionalizar o sistema de transporte de Nova York. Se você chegasse de Marte, acharia que a pessoa que desenvolveu os sistemas de pedágio era louco. Precisamos de uma forma muito mais racional de incentivar como o trânsito se move.

A senhora tem menos de um ano de mandato sobrando. Se tivesse apenas uma coisa para fazer, o que seria?

Há coisas que estão no meu controle, outras não. Estou muito focada em melhorar a segurança das ruas. Alta velocidade causa um quarto das fatalidades nas ruas de Nova York, e uma das coisas que a gente pode fazer para diminuir o número de colisões seria colocar câmeras de velocidade, especialmente perto de escolas.

Por que elas ainda não foram instaladas? São Paulo tem câmeras na cidade inteira.

Eu sei. Precisamos de aprovação de lei em Albany (capital do Estado de Nova York). E você sabe quanto isso é difícil. Eu também espero ver 6 mil bicicletas operando no nosso novo sistema de aluguel de bicicletas a ser efetivado em maio, continuar o programa de ônibus rápido, continuar a seguir em frente em segurança, em mobilidade e desenvolvimento. E estamos documentando nosso progresso e a reação da comunidade e de outras cidades do mundo. Você pode pintar a cidade que quer ver. Não tem que levar anos e anos. Você pode experimentar e tentar novas ideias. E, se não funcionar, pode mudar. Mas temos que continuar na tarefa de tornar as cidades mais verdes e mais vivíveis.

Autor: Gisele Regatão | Postado em: 07 de março de 2013 | Fonte: Valor Econômico

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