segunda-feira, 18 de maio de 2009

O PAPEL DO LEGISLATIVO

Fiscalização
A mídia brasileira presta um desserviço à cultura cidadã brasileira ao cobrar dos legisladores apenas a elaboração de projetos e votação de leis. Nossa mídia parece desconhecer que a principal atribuição de um legislador é a fiscalização.
Isto se dá, evidentemente, no nível de atuação política para o qual foi eleito. Assim, vereador fiscaliza o prefeito; deputado estadual, o governador; deputado federal e senador, o presidente da República.
Antes, portanto, de propor um projeto de lei, cabe ao legislador fiscalizar o cumprimento das leis existentes e, em discordando de alguma dela, propor a revogação da lei antiga, por considerá-la ultrapassada, obsoleta ou em dissintonia com as propostas que defende. Só a partir daí irá pensar na elaboração de uma nova lei, caso considere que as anteriores não tratam do tema.
Além disto, cabe aos legisladores avaliar projetos de lei oriundos do Executivo, aprovando-os, rejeitando-os ou propondo modificações.

Primeiro: avaliar o Programa de Governo
Você guardou o Programa de Governo do gestor eleito? Gravou suas falas no rádio e TV, seus discursos no palanque? Se não fez isso, sua intervenção começa com uma lacuna.
Não se precipite. Dê um tempo para que ele tome pé, quer você seja vereador da situação ou da oposição. Avise, fale, escreva que o prefeito deve ter um pequeno espaço de tempo para respirar, verificar como andam as coisas, para começar a colocar em prática seu programa de governo.
Simbolicamente, eu escolheria dar 100 dias. Aí sim, resgate o Programa e compare com o que seu prefeito está fazendo. Se o prefeito não conseguiu se achar, não fez nada, repete os erros que criticava no seu antecessor, comece por demarcar estes pontos de forma clara em todos os espaços que estiverem ao seu dispor.
Ou vá em busca de sua construção.

Plurianual
O Plano Plurianual (PPA)é um balizador do que o governante deve fazer. É um norte a ser observado. Veja o que está sendo feito e observe o que será proposto em seguida na LDO, que é a Lei das Diretrizes Orçamentárias.

LDO
Como dissemos, você deve verificar como o gestor faz a ponte entre o plano global e genérico que é o PPA e a LDO, agora já uma lei com diretrizes mais claras, mais específicas e precisas.
Veja as lacunas, contradições e aponte. Proponha emendas e modificações consistentes.
É sempre importante que se busque uma assessoria técnica. Mas, como a maioria das Câmaras Municipais não dispõe desse serviço, você pode recorrer a um amigo que seja contador, administrador, economista que sempre poderá lhe dar uma mão. Deixe de trabalhar sozinho por sua conta e risco. Agregue pessoas para realizar este trabalho, bem como o trabalho geral de fiscalização.

Orçamento
A Lei orçamentária, sem dúvida, é a mais importante, pois ela desce ao específico, é mais fácil de mensurar e portanto fiscalizar. Não esqueça nunca que há preceitos constitucionais ou até mesmo da sua LOM - Lei Orgânica do Município - a serem observados.
Não me parece que você tenha que fazer muitas emendas, disputar todos os valores. Afinal o Orçamento é do gestor. Cabe a você, sim, fiscalizar passo a passo a sua execução.
O principal não são as emendas. Há legisladores que gostam de fazer dezenas de emendas, colocando valores que não se sustentam. Isso não passa de uma postura populista, para agradar este ou aquele segmento de eleitores. Infelizmente, há legisladores que fazem estas emendas já no PPA, depois na LDO e, finalmente, no Orçamento. Aí, tiram cópias, distribuem a um certo setor ou fazem um boletim, dando conta que fizeram isto ou aquilo por seu povo, passando a idéia de que isto de fato vai acontecer, mesmo sabendo que não vai acontecer. Isto é um logro, mas costuma acontecer mais do que se possa imaginar.
O vereador deve, sim, acompanhar a Execução Orçamentária para garantir que o que está orçado seja de fato executado.

Ética
Um elemento fundante de um mandado legislativo é sua postura ética. Comece, portanto, por fiscalizar o prefeito. Mas veja se a sua postura é corresponde àquilo que você está cobrando.
Não vá cobrar que o prefeito e seus secretários esbanjam verbas públicas, se você como vereador faz o mesmo. A sua denúncia vai ficar sem sustentação.
Um dos mais fortes debates da atualidade são as viagens e as diárias. Prefeito, secretários, gestores e legisladores podem e devem viajar. Devem participar de eventos. Mas sempre focados no interesse público. Nunca com interesses particularistas.

Defenda sempre o necessário e o correto, nunca submetendo-se à crítica fácil dos meios de comunicação. Há gastos mínimos que o erário deve cobrir, pois tanto o Executivo quanto o Legislativo devem ser ressarcidos desses valores para poderem realizar seu trabalho. Não há sacerdócio nisto. Quem achar que deve haver, está fazendo demagogia.
Mas os valores tanto das diárias, viagens, cursos etc devem ser compatíveis com a realidade. As verbas são para cobrir custos, e apenas isso, sem esbanjamentos.
Para o cidadão comum, muitas vezes não fica claro o quanto custa ir do interior do RS para Brasília; gastos com avião e hotéis na Capital Federal. Às vezes ficam escandalizados com os valores, pois não sabem o quanto custa pegar um táxi em Brasília ou almoçar num local modesto.
Seja franco, explique, não esconda. Nunca caia na crítica fácil, irresponsável, tão grata ao senso comum.

Licitações
Toda e qualquer licitação, todo e qualquer concurso público tem que ter o máximo de transparência garantida, com um claro procedimento republicano. Fique sempre atento a isto, sem pestanejar.
Acompanhe, portanto, todas as publicações oficiais.
Veja se não há favorecimento, direcionamento nas licitações. Veja se os elementos são claros, se aquilo que se exige em uma licitação está devidamente explicitado. Depois, então, poderá cobrar qualidade nos serviços que prestados ou nos produtos adquiridos.
É muito comum o direcionamento em licitações. E nas licitações para concursos. Muitos que se apresentam para elaborar as provas e realizar os exames são empresas que não têm capacidade, ou são típicas de "fundo de quintal", predispostas a armar alguma maracutaia com um gestor sem postura ética.
É importante que o legislador tenha sempre consigo cópia da Lei 8666, a chama Lei das Licitações.

CCs, Estágios, Terceirização
Nestes três itens muitas vezes se escondem muitos dos desvios de conduta, verdadeira roubalheira dos cofres públicos. Veja se o número de CCs é o adequado a uma administração. Na minha opinião, se passar de 2% já é exagero. CCs deveriam ser chamados a colaborar apenas em posições de coordenações políticas, onde um servidor de inteira confiança é exigido, para que o governante possa colocar em prática seu programa de governo.
Desconfie de administrações com muitos CCs. Se for necessário, na situação ou na oposição, proponho a realização de concurso público para preencher as lacunas administrativas.
Neste particular, o TCE tem sido mais rigoroso, exigindo explicações. É claro que muitos prefeitos e gestores acabam conseguindo se explicar, mas nem tudo que se explica passaria pelo crivo da ética. Pode até ser legal, mas às vezes é imoral.
Poucos ou muitos CCs, assegure-se sempre que todos estejam trabalhando.
Mesmo depois da Lei do Estágio, a maioria das administrações, independentemente de posições partidárias, exagera na sua contratação. Como regra geral, o estagiário ocupa o espaço de um servidor de carreira. Dê a devida atenção a esta questão, o futuro vai lhe agradecer.
Já as terceirizações são a mágica que o gestor tenta usar para resolver qualquer tipo de falhas e lacunas, como falta de servidor, para pagar menos, porque alega que seu orçamento é precário etc. Serviço terceirizado tem regras, e estas devem ser utilizadas, cobradas e fiscalizadas.
Neste ramo é comum a falta de idoneidade de empresas, bem como acontece de governantes que montam empresas com laranjas para prestarem serviços. Mas, o pior de tudo isto, são as tais de cooperativas de trabalho, as falsas cooperativas, que no linguajar comum são chamadas de coopergatos ou coopertrampos.[
Há estudos aqui no RS que apontam que bem mais de 70 destas são picaretas e seus membros não têm noção de serem cooperativados. Elas são usadas para burlar licitações, para pagar e gastar menos. Mas, é o verdadeiro barato que custa caro, pois quando elas não pagam ou quebram, o que é tremendamente comum, o poder público também é réu, pois responde pela subsidiariedade. Ou seja, o gestor poderá pagar a conta duas vezes.
O MP já está obrigando muitos órgãos públicos a assinar TACs para que estas cooperativas não voltem a ser contratadas.
Além disso, esta forma de contratação se respalda na idéia de um pretenso “Estado mínimo”, que passa a idéia de que o servidor público é acomodado, preguiçoso e, portanto desnecessário. Ao contrário disso, devemos valorizar o servidor público e criar as condições para a qualificação permanente do quadro de funcionários.
Muita atenção deve ser dada a esta problemática.

FGs
Outro item que sempre merece um processo cuidadoso de fiscalização é o caso das FGs. Como o nome diz é Função Gratificada, mas, na maioria das vezes, são dadas sem critérios, para pessoas que não cumprem nenhuma função específica para receber tal reforço nos seus ganhos. Muitas vezes não passa de alguma forma de apadrinhamento.
Fiscalize sempre, cobre mudanças nos processos.

Serviços prestados e não prestados
O legislador deve ter um olhar atento para o processo cotidiano de serviços de uma administração pública, sejam os serviços prestados pelos seus servidores ou os prestados por empresas terceirizados. Tanto nas obras, como nos serviços de limpeza, capina, transporte coletivo etc.
Nas obras de infra-estrutura devemos observar desde a qualidade dos materiais até uma possível obra tecnicamente mal-feita. Aqui, também, é sempre elementar buscar o apoio de profissionais, pois sempre haverá alguém que com gosto, num processo de cidadania ativa, vai fazer este serviço voluntariamente para o parlamentar. É claro que não se pode cair no conto de alguém que fará um "servicinho" voluntário para detonar um concorrente ou desafeto. Portanto, também aí todo cuidado é pouco.
Os serviços de coleta de lixo são uma dor de cabeça para muitos gestores. É uma área de muita disputa, devido aos altos valores que estes serviços envolvem. Isto dá espaço para posturas antiéticas do gestor, ao fazer negociatas com empresas inidôneas. Muitas vezes o serviço é mal feito, mal mensurado, um escoadouro de dinheiro público.
Nem todos os municípios contam com uma frota adequado para o transporte público. Aqui também residem outros problemas, que não raro trazem grandes prejuízos aos cofres públicos no caso de subsídios, ou para o povo, com ônibus lotados, atrasados, estragados etc.
Nos serviços de terraplanagem, colocação de brita, cascalho, saibro também temos problemas. Os governantes deveriam ter planilhas públicas, on line, de pedidos destes serviços. Caso não tenham, o legislador deveria exigir sempre que sejam públicos, ou utilizando um critério universal quando for para alguma propriedade particular, mediante pagamento de material, horas-máquina, etc, sempre baseado em leis claras, em resoluções precisas, em contas abertas. Aqui, se refere principalmente a serviços que são prestados em pequenos municípios e na área rural. Em qualquer caso, o fundamental é total transparência.

Os Fundos
A adoção de Fundos específicos é e pode ser uma boa política, com menos burocracia, com espaços mais ágeis e mais abertos de aplicação de recursos, bem como possibilidades de arrecadação e até de doações. Mas não podem servir para ludibriar as leis, as licitações e o dia-a-dia de uma administração.

“Uso da máquina"
Corriqueiramente, assim é chamada a manipulação do erário, das coisas públicas, por parte de gestores. Isto se dá das mais variadas formas, criando benesses para apaniguados partidários, para amigos, familiares.
Sempre haverá brechas na gestão pública para o gestor desonesto "usar a máquina pública". Não há uma coisa específica, são várias. Vai desde a utilização de bens próprios da prefeitura, como o uso privado e abusado de um telefone celular ou do carro de chapa branca, mas o grosso disto é feito através de licitações viciadas, investimentos em determinados setores, para alguns em especial etc.

Participação Popular
Uma grande forma de o legislador ser ajudado é criar e incentivar a mais ampla participação popular na gestão pública. Desde um Conselho, tipo da Saúde, passando pelos Conselhos Tutelares, até o que se denominou de Orçamento Participativo.
Já houve tempos em que os legisladores falavam que o OP tiraria o poder das Câmaras. Se em algum momento e em algum lugar tirou é porque o legislador foi pouco ativo, relapso, não soube conviver com os avanços da democracia participativa. Esta se junta, soma, complementa representação, que é a forma do povo se fazer presente no Parlamento, seja em nível local, estadual ou nacional.
Não tema a democracia participativa. Ela é sua aliada sempre. Saiba usar corretamente estes mecanismos, para ajudar o seu mandato a ver e a fiscalizar o gestor público.

Sem tripé, o seu mandato é capenga
O que sustenta politicamente e faz avançar um mandato popular é o tripé sobre o qual ele deve estar assentado: boa relação com a comunidade, com o seu partido político e boa e qualificada atuação dentro da Câmara.
Na verdade isto é que dá a forma e o conteúdo para o Modo de Legislar.
Se você não tiver uma distribuição equilibrada sobre estes três sustentáculos, algo estará faltano no seu mandato e, certamente, não fará uma boa Fiscalização, nosso tema em debate.

Estrutura de Mandato
É claro que uma boa estrutura de mandato, com assessorias, com base material (telefone, internet, boletins, gasolina para gastar etc) ajuda enormemente um legislador a fiscalizar. Mas tudo isto depende muito do tamanho de seu município.
Mas, se você não tiver nada disto ou poucos destes recursos, seja ousado e busque na sua comunidade, no seu círculo de amigos, esta ajuda para desempenhar bem suas funções, a começar pela mais importante delas, que é a fiscalização. Dê mais atenção ao trabalho que voluntários podem fazer para ajudar o seu mandato.
As duas coisas mais importantes, quer seja no Executivo ou no Legislativo, são o olhar e o trabalho jurídico e o de comunicação. Dentro ou fora do gabinete alguém destas áreas deve ajudar o seu mandato ou a sua gestão, em se tratando de governante.

Situação ou oposição: uma mesma postura
O maior erro de um legislador é ter uma postura quando é situação e outra quando está na oposição. A nossa postura, por incrível que isto possa parecer nos dias de hoje, deve ser a mesma. Seja da base de sustentação do governo ou da oposição, o processo de fiscalização deve ser o mesmo.
A única diferença pode ser a publicização ou postura pública. Quem é da base do governo certamente terá o fórum de governo ou do partido (ou partidos) do governo para cobrar e pedir para mudar. Mas, é apenas nisto que reside a diferença entre situação e oposição para um legislador.

Coerência
Daí decorre necessariamente a coerência na política. Ou seja, quem foi da situação e teve determinadas posturas quando sustentou seu governo, ao perder o governo, muda o discurso? Para onde vai a sua credibilidade? Para o espaço, certamente.
O mesmo ocorre com um parlamentar, que criticava tudo o que fazia o gestor do outro partido ou facção, e agora é base de sustentação do governo que venceu. Esquece tudo o que disse? É claro que não, caso contrário também o seu prestígio vai para o ar.

Imunidade parlamentar
Para exercer plenamente o seu mandato, fiscalizar, criticar, cobrar é fundamental o preceito de Imunidade Parlamentar. Mas cuidado, isto não dá o direito de atacar gratuitamente seu adversário político, caluniar, difamar etc.
Portanto, nem sempre são os discursos mais inflamados, com mais adjetivação, com mais gritos que fazem a boa oposição, nem é esta postura contra os adversários que faz de você o verdadeiro líder do governo.

Mudar a política
Contaminada por denúncias diárias de corrupção pela grande mídia, pelos spams pela Internet, pelo discurso de rua, a política e os políticos carecem de credibilidade. Isto tem que mudar para o bem da democracia, dos avanços que todos nós esperamos. E você pode ajudar nisto, começando também a mudar a sua postura e "contaminando" positivamente os seus pares.
Mudar a política é essencial, é dar outra forma de operação ao seu dia-a-dia, com ousadia, ética, respeito e defesa das causas republicanas.
Você pode e deve ajudar a acabar com a cretinice parlamentar, do discurso fácil, dos ataques, da fúria que reverbera da tribuna, para depois fazer conchavos nos bastidores com os mesmos desafetos de minutos antes.
Novamente, é preciso resgatar e buscar a coerência.
Você pode, você deve. Você vai conseguir.
Lembre-se da campanha de Barack Obama, quando dizia; Change - Yes, We Can. Mudança. Sim, nós podemos.

ADELI SELL é vereador do PT em Porto Alegre, professor e consultor

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