terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Caros generais, almirantes e brigadeiros

Caros generais, almirantes e brigadeiros




Marcelo Rubens Paiva







Eu ia dizer "caros milicos". Não sei se é um termo ofensivo. Estigmatizado é. Preciso enumerar as razões?



Parte da sociedade civil quer rever a Lei da Anistia. Sugeriram a Comissão da Verdade, no desastroso Programa Nacional de Direitos Humanos, que Lula assinou sem ler. Vocês ameaçaram abandonar o governo, caso fosse aprovado.



Na Argentina, Espanha, Portugal, Chile, a anistia a militares envolvidos em crimes contra a humanidade foi revista. Há interesse para uma democracia em purificar o passado.



Aqui, teimam em não abrir mão do perdão. E têm aliados fortes, como o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, que apesar de civil apareceu num patético uniforme de combate na volta do Haiti. Parecia um clown.



Vocês pertencem a uma nova geração de generais, almirantes, tenentes-brigadeiros. Eram jovens durante a ditadura. Devem ter navegado na contracultura, dançado Raul Seixas, tropicalistas. Usaram cabelos compridos, jeans desbotados? Namoraram ouvindo bossa nova? Assistiram aos filmes do cinema novo?



Sabemos que quem mais sofreu repressão depois do Golpe de 64 foram justamente os militares. Muitos foram presos e cassados. Havia até uma organização guerrilheira, a VPR, composta só por militares contra o regime.



Por que abrigar torturadores? Por que não colocá-los num banco de réus, um Tribunal de Nuremberg? Por que não limpar a fama da corporação? Não se comparem a eles. Não devem nada a eles, que sujaram o nome das Forças Armadas. Vocês devem seguir uma tradição que nos honra, garantiu a República, o fim da ditadura de Getúlio, depois de combater os nazistas, e que hoje lidera a campanha no Haiti.



Sei que nossa relação, que começou quando eu tinha cinco anos, foi contaminada por abusos e absurdos. Culpa da polarização ideológica da época.



Seus antecessores cassaram o meu pai, deputado federal de 34 anos, no Golpe de 64, logo no primeiro Ato Institucional. Pois ele era relator de uma CPI que investigava o dinheiro da CIA para a preparação do golpe, interrogou militares, mostrou cheques depositados em contas para financiar a campanha anticomunista. Sabiam que meu pai nem era comunista?



Ele tentou fugir de Brasília, quando cercaram a cidade. Entrou num teco-teco, decolou, mas ameaçaram derrubar o avião. Ele pousou, saltou do avião ainda em movimento e correu pelo cerrado, sob balas.



Pulou o muro da embaixada da Iugoslávia e lá ficou, meses, até receber o salvo-conduto e se exilar. Passei meu aniversário de cinco anos nessa embaixada. Festão. Achávamos que a ditadura não ia durar. Que ironia...



Da Europa, meu pai enviou uma emocionante carta aos filhos, explicando o que tinha acontecido. Chamava alguns de vocês de "gorilas". Ri muito quando a recebi.



Ainda era 1964, a família imaginava que fosse preciso partir para o exílio e se juntar na França, quando ele entrou clandestinamente no Brasil.



Num voo para o Uruguai, que fazia escala no Rio, pediu para comprar cigarros e cruzou portas, até cair na rua, pegar um táxi e aparecer de surpresa em casa. Naquela época, o controle de passageiros era amador. Mas veio a luta armada, os primeiros sequestros, e atuavam justamente os filhos dos amigos e seus eleitores – ele foi eleito deputado em 1962 pelos estudantes.



A barra pesou com o AI-5, a repressão caiu matando, e muitos vinham pedir abrigo, grana para fugir. Ele conhecia rotas de fuga. Tinha um aviãozinho. Fernando Gasparian, o melhor amigo dele, sabia que ambos estavam sendo seguidos e fugiu para a Inglaterra. Alertou o meu pai, que continuou no País.



Em 20 de janeiro de 1971, feriado, deu praia. Alguns de vocês invadiram a nossa casa de manhã, apontaram metralhadoras. Depois, se acalmaram.



Ficamos com eles 24 horas. Até jogamos baralho. Não pareciam assustadores. Não tive medo. Eram tensos, mas brasileiros normais. Levaram o meu pai, minha mãe e minha irmã Eliana, de 14 anos. Ele foi torturado e morto na dependência de vocês. A minha mãe ficou presa por 13 dias, e minha irmã, um dia.



Sumiram com o corpo dele, inventaram uma farsa (a de que ele tinha fugido) e não se falou mais no assunto.



Quando, aos 17 anos, fui me alistar na sede do Segundo Exército, vivi a humilhação de todos os moleques: nos obrigaram a ficar nus e a correr pelo campo. Era inverno.



Na ficha, eu deveria preencher se o pai era vivo ou morto. Na época, varão de família era dispensado. Não havia espaço para "desaparecido". Deixei em branco.



Levei uma dura do oficial. Não resisti: "Vocês devem saber melhor do que eu se está vivo." Silêncio na sala. Foram consultar um superior. Voltaram sem graça, carimbaram a minha ficha, "dispensado", e saí de lá com a alma lavada.



Então, só em 1996, depois de um decreto-lei do Fernando Henrique, amigo de pôquer do meu pai, o Governo Brasileiro assumiu a responsabilidade sobre os desaparecidos e nos entregou um atestado de óbito.



Até hoje não sabemos o que aconteceu, onde o enterraram e por quê? Meu pai era contra a luta armada. Sabemos que antes de começarem a sessão de tortura, o Brigadeiro Burnier lhe disse: "Enfim, deputadozinho, vamos tirar nossas diferenças."



Isso tudo já faz quase 40 anos. A Lei da Anistia, aprovada ainda durante a ditadura, com um Congresso engessado pelo Pacote de Abril, senadores biônicos, não eleitos pelo povo, garante o perdão aos colegas de vocês que participaram da tortura.



Qual o sentido de ter torturadores entre seus pares? Livrem-se deles. Coragem.

4 comentários:

Anônimo disse...

Concordo em tudo senhor,

Mas devemos julgar os crimes dos terroristas, dar pensão tambem aos parentes dos mortos por eles, pegar o Diógenes do PT e fazê-lo cumprir pena pelo assassinato do capitão chandler.

So então teremos moral para julgar todos.
Ambos os lados mataram, e ambos os lados tinham motivos adequados aos seus ideais.

Qunado se pede para punir apenas o adversário cometemos desatinos éticos.
A familia de Mario kosel espera reparaão igual pelo mesmo tempo que o senhor.
Porque não abrem os arquivos da ditadura?
Quem tem medo de abrí-los.

ESSE BATE-PAPO DE ENCONTRAR CULPADOS VAI ACABAR COM O BRASIL PAGANDO AO PARAGUAI PELO GENOCÍDIO COMETIDO NA FATÍDICA GUERRA COM O MESMO NOME.

Indios, negros, quilombolas estão indo pelo mesmo caminho.

Vivemos torturados pelo passado e não fazemos nada pelo futuro.

NÃO SE FAZ ASSISTENCIALISMO COM DINHEIRO PÚBLICO.

fernando kowalczuk disse...

É ISTO AÍ MARCELO...FUI MILITAR NOS ANOS 60 E SENTI NA PELE TODO O RIGOR EXCESSIVO DA DIREITA MILITAR BRASILEIRA. UM TERROR...

Anônimo disse...

VETANDO COMENTARIOS SERIOS VEREADOR E SE DIZ DEMOCRATA

TENHO UM BLOG E JAMAIS VETO COMENTÁRIOS EM CONTRÁRIO

CALHORDAS DESREPEITAM A DEMOCRACIA.

Anônimo disse...

Agradeço postagem.
Muitos falam de holocausto aqui e acolá.
Holocausto é um sacrifício, está na bíblia, voce sacrifica algo seu, apra Deus, ou deuses como queiram.
Deturparam a palavra, numa guerra não existe holocausto, existem vítimas, existe genocídio.

Os aliados trucidaram Dresden, lá também houve um genocídio.
Holocausto fizeram Fidel castro, Mao, Lenin, Hitler, ao mandarem matar seu próprio povo em prol de uma causa.
A luta entre irmãos é um holocausto.

Outro exemplo que vejo é sobre Nova iorque ter bolsa escola.
Tem mas não é paga com dinheiro público.
Quem paga são empresários, cidadãos, e instituições financeiras.

O programa, opportunity NYC em seu site explica como funciona.

A universidade de Harvard tem orçamento privado superior ao PIB de alguns paíse no mundo.

No ano de 2009 a soma foi de 634,9bilhões de dólares[1] - este valor corresponde aos ativos obtidos principalmente por doações privadas e aplicações financeiras ao longo dos anos e a universidade dispõe e apenas de 5 e 10% para seus gastos anuais diretos.

comentar sobre algo que se desconhece é
inútl.