O jornalista e ex-comissário de bordo não usa armas, mas constrói e resiste em seu baluarte de ideias e sonhos. De fala mansa e pausada, semblante sereno, Rui Gonçalves construiu na Galeria Pio XII, de quem fui vizinhar com meu sebo no final dos anos 80, uma marca e uma clientela fiel, quando o termo "fidelização" nem constava no nosso vocabulário comercial.
Mas ele começou muito antes disso. Em 1972, em plena ditadura militar, montou uma livraria com cunho claramente de esquerda, recheado de livros que importava do México, Argentina e Espanha, além das editoras locais que ousavam publicar alguns malditos daqui. E por incrível que pareça, teve menos problemas com os censores da Polícia Federal do que com os burocratas da Receita que sempre que podiam trancavam seus livros.
Palmarinca, uma junção de Palmares com Incas, é marca para dizer que a América Latina estava presente e continua até hoje no seu foco de ação. Professores, pesquisadores, alunos antenados e intelectuais batem ponto não mais na galeria inacabada, mas ainda no Centro, agora na Jerônimo Coelho, 281, para saber de novidades e encomendar seu livro.
Apesar de muitos espaços desta estirpe terem findado pelo Brasil afora, Rui resiste, vendendo livros, atendendo bem, informando e ouvindo. Tanto que nos sábados pela manhã, uma fauna local marcha para esta trincheira da democracia, do compartilhamento e do bom papo.
Palco também de bons lançamentos de livros, a história da Palmarinca não é linear. Foi duríssimo enfrentar o rescaldo da era Collor nos anos 93 e 94. Mas Rui resistiu e venceu. As dificuldades também aumentaram com o advento das ‘megastores’ que, com títulos dos mais variados garantem trazer o que você quiser, mas não tem o Rui Gonçalves atendendo, agora com a ajuda do filho. No passado tinha o Hermes, seu sócio, e a Tania, todos sempre prontos para resolver o problema.
Mas não foram apenas os "tempos" que levaram de roldão livrarias tradicionais. A má administração contribui e muito para esta derrocada. A paixão pelos livros com o cuidado administrativo é que salvou a Palmarinca.
Rui se queixa da falta de leitores e da falta de bibliotecas públicas. Nas casas também são bem mais escassos os livros nas prateleiras. Rui também se queixa da descaracterização da Feira do Livro, focada mais no espetáculo, menos na reflexão. E lembra que livros sobre o teatro, o cinema e as artes - que eram tão discutidos em Porto Alegre - chegavam e saíam das livrarias com a mesma rapidez, mas hoje não apresentam mais esta efervescência.
É hora de sairmos das clausuras das casas, dos shoppings, do medo e tomar as ruas, o Centro, passar na Palmarinca e viver os livros porque eles são o alimento de nossas almas.
ADELI SELL foi livreiro, é escritor e consultor.
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