Prof. Dr. em Ciência Política
Na versão alemã de 2008 do filme
“The Wave (A Onda)” - baseado em fatos reais ocorridos numa escola na cidade de
Palo Alto/USA, em 1967 - o professor de história após discorrer sobre as
condições que produziram a ascensão e o apoio da população ao nazismo na
Alemanha, nos idos de 1930, faz uma indagação à classe. Pergunta o professor se
aquela nefasta experiência política poderia ser reproduzida nas sociedades
contemporâneas. De pronto os alunos negam essa possibilidade. Argumentam que na
atualidade os jovens são mais instruídos e que não se deixariam iludir por ideias
ou lideranças anti-democráticas. Sentindo-se desafiado a testar seus alunos, o
professor por meio de técnicas de persuasão convida-os a ingressarem num
movimento pela melhoria da qualidade da escola. De modo sistemático e
persistente o professor passa a sugerir aos alunos que o movimento deveria
adotar algumas “ideias“ sintetizadas nas palavras disciplina, comunidade e
poder. Mais adiante o movimento deveria adotar um nome, um emblema, uma
saudação e um uniforme padrão! No filme tal qual nos acontecimentos reais em
Palo Alto as coisas não terminam bem!
Deixando de lado a sinopse da
bela e perturbadora película, inquiro se seria possível no Brasil contemporâneo
retrocedermos a uma ditadura, ou - o que dá no mesmo - para um regime de
exceção sem partidos e parlamento? Qual a direção que tomam as manifestações em
nosso País nesse momento? Em que consiste a novidade da “sociedade em rede“
para fins políticos na contemporaneidade, em particular no caso brasileiro? É
crível que as manifestações organizadas e mobilizadas pelas redes sociais
carecem de direção e sentido programático? Há um núcleo de bom senso nas
manifestações?
Começando pelo fim. Creio que o
núcleo de bom senso nas manifestações hegemonizou o movimento até a primeira
quinzena de junho. Posto que foi nesse momento que o MPL (Movimento pelo Passe
Livre) conduziu as manifestações em torno de uma reivindicação com objeto
determinado, justa e imediata, ou seja, o não aumento das tarifas do transporte
coletivo, combinadas com denúncias sobre a precariedade da mobilidade urbana em
nossas cidades. Até então a mídia de massa dava relativa ou pouca importância às
manifestações, mas na capital paulista exortava o governo tucano a reprimir com
violência o movimento, no que foi atendida!
Ocorreu que com a descontrolada
repressão policial ao movimento a partir de São Paulo, irradiou-se uma enorme
onda nacional de solidariedade e em defesa da livre manifestação da população!
A partir desse momento houve uma conversão de sinal nas manifestações! Isto é,
do campo democrático e popular desgarrou-se para o campo do conservadorismo, da
reação, e do questionamento das instituições democráticas e de representação da
sociedade brasileira. Por seu turno, estabeleceu-se uma divisão política de
tarefas.
À mídia, coube a direção
subjetiva (lúdica) e programática do movimento com o apoio à cruzada moralista
contra a corrupção, e aos movimentos de extrema direita nas redes sociais
(change brazil/anonymus/etc.) cumpre a tarefa de mobilizar, radicalizar e
exortar os manifestantes contra o governo federal, os partidos de esquerda e as
organizações populares. Servidores privilegiados de estado emprestam seu
prestígio à onda conservadora tendo em vista interesses corporativos
(justificados ou não) contrários à PEC 37. Portanto, o núcleo de bom senso das
manifestações foi reduzido e perdeu o controle. A tênue esperança de debater o
déficit de representação nas democracias contemporâneas involuiu de patamar,
pois o debate da representação politica aponta para mais democracia e não para
menos! Está claro que não é essa a agenda do campo conservador!
Sempre defendi a partir de
estudos acadêmicos que a internet representava um novo patamar comunicacional
para a humanidade. E nesse sentido ter acesso à rede deve ser compreendido como
um novo direito social. Num certo modo a internet representa a possibilidade de
renovação da esfera pública, posto que a opinião pública contemporânea foi
colonizada pelas empresas midiáticas de massas, sobretudo a televisão. Contudo,
a web 2.0 e suas redes sociais a destarte de permitirem uma maior circulação
das informações vem se demonstrando muito menos como um ambiente de conversação
cívica, e muito mais como um veículo de mobilização coletiva. Desse modo
cumpriu um papel progressivo nas mobilizações contra os regimes autocráticos
árabes, que resultaram na “primavera árabe”, nas ocupações de praças públicas
nos EUA e na Espanha contra o desemprego e o capital financeiro, no Chile
contra a privatização do ensino superior, etc.
Todavia, sabemos que o sentido de
qualquer mobilização não é indeterminado. Seja por meios tradicionais, seja por
meios virtuais as mobilizações políticas perseguem objetivos favoráveis ou
contrários ao establishment. No caso brasileiro as manifestações
anti-establishment, conformaram-se no momento claramente à direita. Há uma
reproposição dos termos clássicos da disputa política unidimensional, ou seja,
direita versus esquerda. É necessário compreender que as redes sociais não são
infensas ao debate em momentos de crise política, ou seja, os internautas
individualmente ou em coletivos serão mobilizados por distintos projetos
políticos. Ainda mais que por mais que exaltemos o neo-individualismo virtual,
é patente que para lograr uma ação coletiva é necessário uma direção política
consciente dos objetivos a serem alcançados. A novidade que essa direção
política não se traveste de partido políticos, mas em ondas hertzianas por meio
do espectro televisivo, e através da digitalização pelas redes sociais.
Há em nosso País uma clara
tentativa de desestabilização (bloqueio de estradas, depredações, etc.) de um
projeto político de centro-esquerda que chegou ao poder democraticamente, e que
conta com o apoio de amplos setores da população brasileira. Setores que por
óbvio não se veem representados pelos golpistas midiáticos, e pela extrema
direita dos Anonymus e dos Change Brazil! A presidenta Dilma respondeu bem aos
protestos ao condenar com firmeza o vandalismo e colocar-se disponível para
dialogar. Além disso, convocou prefeitos e governadores para discutir um plano
de mobilidade urbana. Também respondeu bem as necessidades da área da saúde por
mais médicos, e repautou o anteprojeto de lei de aplicação das riquezas do
pré-sal para a educação. Registre-se que o Brasil profundo de milhões e milhões
de homens e mulheres beneficiados pelas políticas sociais do governo federal,
assiste de longe as manifestações. Até quando não sabemos!
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