Fui provocado pelo artigo ‘A terceirização que escraviza’, publicado neste domingo (18.06) pelo jornal O SUL. Assinado pela Dra. Andréa Saint Pastous Nocchi, juíza do Trabalho da 4ª Região, o texto trata dos tristes episódios ocorridos especialmente com jovens trabalhadores bolivianos, que viviam em condições de encortiçamento em São Paulo, quarteirizados para trabalhar a serviço de grandes marcas.
Não tenho formação jurídica, acadêmica, mas tenho experiência de 16 anos de legislador, bem como de gestor público que aplicou de forma ousada normas, como no caso do combate à pirataria em Porto Alegre, que serviram de referência a muitos outros municípios de nosso estado e a alguns do Brasil.
Acompanho com atenção o assunto da terceirização de mão de obra. Até porque se faz uma tremenda confusão sobre o tema. A terceirização dentro das normas jurídicas vigentes é uma necessidade. Trata-se de um fenômeno mundial nas sociedades capitalistas. Pesquisas recentes feitas na Europa indicam que mais de 50% das companhias tem desejo de aumentar o nível de terceirização que estão praticando.
Imaginem, por exemplo, uma obra pública sem terceirização. Seria o paraíso do faz de conta de um serviço público que sabemos muitas vezes ineficiente. Atividades que não sejam típicas de Estado, que não sejam atividades-fim podem sim ser legal e eticamente terceirizadas.
Neste momento, por sinal, há um grande debate nacional sobre o tema. A polêmica sobre a regulamentação da terceirização, que há 15 anos opõe representantes dos trabalhadores e dos empresários no Congresso Nacional, promete voltar ao centro do debate político nos próximos dias. O Projeto de Lei 4330, de 2004, que regulamenta a prática da terceirização no país, pode sim propiciar um atendimento de ponta, com alta produtividade e inteligência na distribuição das tarefas.
A cobrança pela correta aplicação da legislação deve ser sobre o Congresso Nacional. Cabe ao Judiciário cumprir com sua missão de fiscalizar o cumprimento da Lei. E me parece que este foi o objetivo da juíza em questão. Mas o título é genérico demais e pode causar problemas para quem terceiriza dentro da Lei.
É claro que a afirmação do título não é taxativa, mas como no corpo do texto não remete às normas legais, ao que existe de correto, nem no mundo real do trabalho nem no campo jurídico, sou obrigado a dizer que aqui no Rio Grande do Sul existe muito serviço terceirizado, inclusive no órgão onde atua a Dra. Andréa Nocchi, sem remeter ao horror narrado. Compreendo perfeitamente a sua indignação. Quem tem visto e lido sobre o que acontece em alguns segmentos só pode se revoltar.
Assim como os trabalhos infantil e escravo, o bulling e o assédio não podem ser tolerados. Com uma análise rápida sobre os atuais postos de trabalho, terceirizados ou não, veremos que ainda falta dignidade e condições adequadas.
Tratei muito do tema, incluindo as questões de ISS deste segmento, aqui em Porto Alegre. Por isso não posso concordar com ataques à terceirização pura e simples. Há dias puxei este debate no meu partido, quando vi e ouvi dirigentes históricos da CUT afirmarem que não são contra ao PL por princípio, pelo contrário, admitem esta forma de contratação, desde que obedecidas as normas legais. Ouvi, também, o setor empresarial, sendo unânime a condenação da atividade ao arrepio da Lei e de forma desumana, como os citados pela Dra. Andréa.
Ainda que a terceirização tenha assumido dimensões significativas, sendo utilizada como um dos principais instrumentos para a precarização das relações de trabalho, a presença do tema no debate nacional é essencial. Os efeitos negativos que a questão exerce sobre as condições de trabalho precisam provocar a nossa reflexão e consequente discussão. Por isso, agradeço a provocação desta douta juíza, pois nos faz refletir sobre nossas vidas.
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