quarta-feira, 3 de março de 2010

O caso Eletronet: um ponto final - José Dirceu

Publicado em 2 de março de 2010

Em respeito a todos vocês, leitores deste blog, e desde já agradecendo o apoio e também respondendo as questões aqui levantadas, publico abaixo uma síntese dos esclarecimentos que prestei ao longo da última semana sobre o caso Eletronet/Telebrás/PNBL. Meu objetivo é que não pairem dúvidas sobre este episódio e sobre as minhas atividades profissionais.

1 – Sobre datas, decisões do governo e minha relação com Nelson dos Santos

A consultoria que prestei à empresa Adne, do empresário Nelson dos Santos, ocorreu entre março de 2007 e setembro de 2009. Começou, portanto, dois anos após a empresa Contem Canadá ter adquirido do grupo norte-americano AES 51% da Eletronet, por R$ 1, em troca de assumir percentual idêntico da dívida da empresa, estimada atualmente em R$ 800 milhões. Os outros 49% são da estatal Eletropar, antiga Lightpar, criada no governo FHC. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo publicada no último domingo (28/02), uma parte desses papéis foi repassada posteriormente à empresa Stars Overseas, de Nelson dos Santos, que também teria se associado à Contem. Logo, se minha consultoria (à Adne, não à Star Overseas ou à Contem) se iniciou dois anos depois de o empresário ter feito tal negócio de risco, não pode ter sido eu a sugerir-lhe que fizesse a aposta. Àquela época, 2005, eu sequer conhecia Nelson dos Santos.

Devo lembrar que, segundo reportagem do jornal O Globo publicada na quinta-feira (25/02), o governo chegou a estudar uma recuperação financeira para a Eletronet. Mas, em maio de 2007, dois meses depois do início da minha consultoria, decidiu não mais fazê-lo e buscar na Justiça a retomada dos seus ativos (16 mil km de cabeamento de fibra óptica em quase toda a faixa Leste do Brasil). A decisão do governo, contrária aos interesses dos controladores privados da Eletronet, mostrou-se a mais acertada, uma vez que em novembro do ano passado, a Justiça do Estado do Rio de Janeiro já concedeu a posse de parte deste cabeamento a empresas do grupo Eletrobrás, controlado pelo governo federal.

Se a consultoria que prestei a uma das empresas de Nelson dos Santos foi mesmo sobre a Eletronet e se eu sou de fato lobista, como me acusa parte da imprensa, gostaria de saber por que, dois meses após o início do contrato de consultoria, o governo brasileiro tomou uma decisão contrária aos interesses dos controladores privados da Eletronet?

Dou aqui minha resposta: não sou lobista, nunca fiz lobby, e a consultoria que prestei à Adne, de Nelson dos Santos - segundo ele próprio e de acordo com o contrato firmado - foi a respeito de cenários para investimentos em países da América Latina no setor elétrico; legislação e regulação nos países latino-americanos; e avaliação da situação político-econômica no continente, bem como avaliação do setor de infraestrutura na região e suas perspectivas.

Há que deixar claro também que não recebi uma bolada de R$ 620 mil, como parte da imprensa insiste em deixar no ar, mas R$ 20 mil mensais, durante 31 meses de trabalho prestado, o que demandou viagens, reuniões e muita preparação. É trabalho, não é dinheiro fácil.

O leitor há de se perguntar porque eu não disse logo isso para a reportagem da Folha, enquanto o petardo contra mim ainda era elaborado, de forma a pelo menos tentar evitar uma semana de calúnias da imprensa. Explico: porque tanto o contrato ora discutido como qualquer contrato de consultoria econômica têm uma cláusula de confidencialidade, que deve ser respeitada pelo consultor. Agora que o próprio contratante deu informações à Folha sobre esse documento, direito que lhe era assegurado e sobre o que não tenho absolutamente nada a me queixar, também me sinto à vontade para fazer os esclarecimentos aqui presentes.

Já sem ter mais o que dizer e já bastante desmentida por jornalistas menos comprometidos com os interesses dos Campos Elíseos (bairro em que se localiza a FSP na capital paulista), a Folha passou a semana tentando manter o caso aceso. Com a já esperada ajuda da revista Veja, que novamente mirou a pena caluniosa contra mim. Os dois veículos dizem que participei ativamente da decisão sobre os rumos da Eletronet, notícia previamente desmentida em entrevista do ex-ministro Luiz Gushiken, publicada por O Globo, na 5ª feira.

Nessa reportagem, Gushiken conta que foi em sua gestão à frente da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo que começou a se pensar no uso da rede de fibras da Eletronet. Afirma, ainda, que não conhecia o empresário Nelson dos Santos e que meu nome está sendo envolvido injustamente no caso. “Quem começou a tocar esse assunto fui eu. O Zé Dirceu não tem absolutamente nada a ver com esse tema ou com todos os protagonistas que estão sendo anunciados hoje, e que são os mesmos da época”, afirmou Gushiken ao repórter de O Globo.

No domingo, a Folha saiu com mais uma, "Cliente de Dirceu usou BNDES na Eletronet", tentando manter meu nome no noticiário sobre o assunto, com insinuações e acusações caluniosas. Não tive nada a ver com as negociações da AES com o BNDES e para tanto é fácil comprovar: basta consultar o presidente do banco naquele período, economista Carlos Lessa. Muito menos eu conhecia o empresário Nelson dos Santos em 2003, como insinua o jornal.

2 – Informações divulgadas por órgãos e empresas governamentais na semana passada

A – Nota da AGU, divulgada na terça-feira (23/02):

“Em atenção às notícias "Nova Telebrás beneficia cliente de Dirceu" e "Dirceu recebe de empresa por trás da Telebrás", veiculadas pelo jornal Folha de São Paulo na capa e página B1, com circulação no dia 23 de fevereiro, esclarece a Advocacia-Geral da União:

1) A União obteve, em reclamação apresentada pela AGU ao Tribunal Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em dezembro de 2009, a retomada da posse das fibras ópticas do sistema de transmissão e distribuição de energia.

2) A rede de fibras ópticas é de propriedade das empresas do sistema Eletrobrás e foi operada pela massa falida da Eletronet mediante previsão contratual.

3) Para a retomada da posse, a Eletrobrás apresentou caução conforme determinação judicial proferida em junho de 2008.

4) A caução atenderá exclusivamente eventuais direitos de credores da Eletronet e não dos seus sócios.

5) A utilização que vier a ser dada à rede de fibras ópticas não beneficiará a massa falida da Eletronet, seus sócios, seus credores ou qualquer grupo empresarial privado.

6) A retomada desse patrimônio, por via judicial, não gerou direitos aos sócios da Eletronet ou qualquer outro grupo empresarial privado.

7) Eventual reativação da Telebrás não vai gerar receitas ou direitos de crédito para a massa falida da Eletronet, seus sócios, credores, ou qualquer grupo empresarial com interesses na referida massa falida.

Advocacia-Geral da União”

B – Trechos da nota enviada na quinta-feira (25/02) pela Eletrobrás à CVM, segundo reportagem do site TeleSintese, que tomo a liberdade de reproduzir abaixo, em minha defesa e com o devido crédito:

“A Eletrobrás veio a público se manifestar sobre as notícias que têm sido veiculadas na mídia sobre a rede de fibras ópticas da Eletronet e a possível utilização do backbone para o Plano Nacional de Banda Larga a ser implementado pelo governo. Em nota enviada hoje à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a estatal assegura que a rede de fibras é de sua propriedade. "A rede de fibras ópticas do sistema de transmissão da Eletrobrás pertence e sempre pertenceu, exclusivamente, a Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás", diz a nota, esclarecendo ainda que ‘o direito de utilização parcial desta rede esteve temporariamente cedido à Eletronet, por meio de contrato de Constituição de Direito de Acesso, firmado com sua subsidiária Lightpar, atual Eletropar, em agosto de 1999’ e que o contrato preserva integralmente os direitos da Eletrobrás sobre a rede de fibras ópticas existente naquela ocasião, bem como sobre ampliações e extensões que viessem a ser implantadas posteriormente.

No comunicado, a Eletrobrás considera equivocadas as notícias veiculadas nos meios de comunicação, ‘envolvendo seu patrimônio e de suas controladas’. De acordo com a nota, a posse da rede de fibras ópticas foi retomada pela Eletrobrás desde dezembro de 2009, por medida do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, atendendo reclamação apresentada pela Advocacia Geral da União. ‘São infundadas, improcedentes e inverídicas, portanto, as notícias que apontam a massa falida da Eletronet, pessoas ou empresas que nela detenham participação, ou qualquer outras, como proprietárias ou detentoras da posse da rede de fibras ópticas da Eletrobrás’, diz a nota. (Da redação)”

3 – O tal “lucro de R$ 200 milhões” e as inúmeras versões da Folha para essa aberração

Há ainda uma outra questão a ser esclarecida aqui. Na primeira reportagem que publicou, na 3ª feira (22/02), a Folha de S.Paulo afirmou que o empresário Nelson dos Santos poderia receber R$ 200 milhões com a implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) pelo governo federal, uma vez que o programa seria operado pela Telebrás, por meio dos 16 mil km de cabos de fibras ópticas que seriam da Eletronet. Digo “seriam” porque a Eletrobrás e a AGU entendem que é de suas subsidiárias (veja itens acima). A questão está na Justiça e, por isso, aproveito para lembrar, nenhum cidadão - o que me inclui - consegue interferir no caso. A reportagem chegou a tal estimativa supostamente ouvindo “advogados”. Vejam um trecho do texto da Folha na 3ª feira: “Advogados envolvidos nesse processo estimam que, com a recuperação da Telebrás, ele ganhe cerca de R$ 200 milhões.”

Tal afirmação do jornal foi duramente questionada por mim e também por jornalistas de primeira grandeza. Em entrevista coletiva concedida na própria 3ª feira, na Assembléia Legislativa de São Paulo eu perguntei: “De onde a Folha tirou esta informação?”

O “outro lado” da Folha veio em acanhada reportagem na 5ª feira, na qual o jornal dizia que a estimativa de lucro viera do próprio Nelson dos Santos. O texto até trazia aspas do empresário, mas esta informação, sobre perspectiva de ganhos de R$ 200 milhões, estava na abertura da matéria e no meio do texto, porém sem aspas. No domingo, no último parágrafo da reportagem “Cliente de Dirceu usou BNDES na Eletronet”, o jornal diz o seguinte: “Nelson dos Santos afirma que tem direito a receber cerca de R$ 200 milhões como indenização, caso a Eletronet não seja reativada.”

Agora, aqui nessa matéria, não é mais especulação financeira, possibilidade (remota) de ganhos em caso da recuperação da empresa. É “indenização”.

A motivação do jornal para mudar, mais uma vez, a possível forma de ganhos do empresário é a seguinte: se a caução de R$ 270 milhões - já depositada ou a ser depositada pelo governo, por meio do grupo Eletrobrás, por força de determinação judicial - for resgatada, será em benefício dos credores Lucent-Alcatel e Furukawa (que investiram na Eletronet e agora cobram) e não do empresário. E se alguma empresa comprar os créditos, o governo não tem nada a ver com isso.

Até porque foi a gestão tucana do ex-presidente FHC que criou a Eletronet, dando de mão beijada 51% das ações para a AES e deixando os outros 49% para a União, via Ligthpar (hoje Eletropar). O governo não tem nada a ver com a venda dos 51% da AES para o empresário Nelson dos Santos. A Eletropar não fez a opção porque o governo não reconhece a “propriedade” da Eletronet sobre a rede de 16 mil km de fibras ópticas. Para simplificar a questão: para o governo a Eletronet tem apenas uma espécie de concessão sobre essa rede. E até agora a justiça deu ganho de causa para essa tese do governo.

Pergunto de novo à Folha: de onde, realmente, veio a informação sobre perspectivas de lucros da ordem de R$ 200 milhões?

Qual será a próxima resposta do jornal?

4 – Meus motivos para prestar consultorias e suas supostas implicações éticas

Reproduzo aqui o que eu disse a duas revistas semanais que circularam no último final de semana:

À Carta Capital: Dou consultoria a empresas, inclusive do exterior, sobre visão de negócios em países da América Latina. E não dou consultoria sobre questões que passem perto de envolver o governo brasileiro. Não faço lobby, nunca fiz. Fui obrigado a retomar minha atividade profissional de advogado e a me tornar consultor após deixar o governo, em 2005, para sobreviver.

À Época: Não há conflito ético. Dou consultoria a empresas, inclusive no exterior, sobre possibilidades de negócios em países da América Latina, não sobre questões que envolvam o governo brasileiro. Retomei minha atividade de advogado e me tornei consultor depois de deixar o governo, em 2005.

Faço um comentário final: o conhecimento que acumulei ao longo de minha trajetória política tem seu valor. Uma visão acurada do que acontece hoje no continente americano e das tendências da economia mundial interessa a quem quer investir.

5 – Uma questão para pensarmos

O estranho é que a imprensa sabe, e não fala nada, sobre todos os ex-ministros, ex-embaixadores e ex-diretores do Banco Central que são empresários, advogados, consultores, donos de bancos, de corretoras. É engraçado que só eu seja criminalizado. Coisas da vida.

6 - Motivações da Folha

O jornal produziu um petardo maldoso e sem compromissos com a realidade e com o mercado, com pelo menos quatro objetivos:

- atingir-me, de forma a fazer com que eu fique longe da política partidária, e também, e até mesmo, de forma que nem ganhar a vida como advogado e consultor eu possa;

- atingir ao presidente Lula e à ministra Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência da República nas eleições deste ano;

- colocar na berlinda o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), do governo federal, porque considera que o acesso à internet deve ser restrito aos que podem pagar caro por isso;

- preservar seus interesses econômicos.

7 – Motivações da mídia em geral

A mídia já está em campanha eleitoral contra Dilma, Lula e o PT, e a favor de Serra, FHC e o PSDB. Essa calúnia da Folha contra mim, e que procura também envolver a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, quando deixa no ar um suposto favorecimento dela à Oi/BrT pelo simples fato de Dilma ter sido republicana e comunicado à empresa que nem pensasse em lucrar com a Eletronet, uma vez que o governo estava disputando seus ativos (16 mil km de fibras ópticas) na Justiça - estratégia até aqui vitoriosa - é apenas o primeiro de muitos ataques infundados.

A prova do que eu digo é que o segundo ataque da mídia tucana veio na mesma semana, com a pseudo revelação da revista IstoÉ contra o ex-prefeito de Belo Horizonte e um dos coordenadores da campanha de Dilma à presidência, Fernando Pimentel. Ele foi acusado pela reportagem de ter superfaturado contratos da prefeitura de Belo Horizonte para pagar gastos de campanha do PT. A reportagem o ligou, também, ao caso batizado pela Folha de “mensalão”. Denúncia que não sobreviveu a um final de semana, pois a revista foi vexatoriamente desmentida pelo Ministério Público Federal. Vejam o que o procurador Patrick Salgado Martins, do MPF-MG, por meio de sua assessoria de imprensa, declarou segundo o site Terra Magazine: não há indícios ligando Pimentel ao “mensalão” e que, “por essa razão ele não foi denunciado”.

A campanha eleitoral começou. Os ataques da mídia também. Outros virão, e temos que estar preparados. Dilma já encosta em Serra. Está, segundo os critérios do Datafolha, tecnicamente empatada com ele, pois o tucano tem 32%, e a petista, 28%, sendo que a margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. A eleição presidencial deste ano será a mais dura que o PT já enfrentou. Mas vamos superar as calúnias, vencer as eleições e continuar com os projetos do PT e do governo do presidente Lula.

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