segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE EM XEQUE

"O trabalho de professor é revestido de características tão peculiares que ele
não pode se dar ao luxo de sofrer, de ficar cansado [..] de ficar triste, pois sua
tristeza certamente prejudicará o desempenho dos alunos, já que para eles o
professor é um baluarte, uma fortaleza." (Villela)


Vereador Adeli Sell e Profª Drª Liana Borges


A presente reflexão foi instigada pela leitura da pequena nota colocada por Rosane de Oliveira na “Página Dez” da Zero Hora, dia 24 do corrente mês, intitulada Inventário de culpas, e que reproduz uma afirmação provocativa de Mariza Abreu, ex-secretária de educação do Rio Grande do Sul, acerca da qualidade das políticas educacionais implementadas na cidade de Porto Alegre, no período 1986-2010.
Para ela, a responsabilidade sobre os problemas da educação riograndense devem ser compartilhados entre todos os partidos políticos, uma vez que todos passaram pelo governo estadual, entretanto, em Porto Alegre a causa estaria tão somente nas políticas educacionais do PT e do PDT, pois somente estes partidos governaram a cidade nos últimos vinte e quatro anos.
Como a nota fica por aqui, pode-se inferir que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) está no centro da crítica da ex-secretária, porém, em nossa avaliação, é a ponta do iceberg de um julgamento bem mais complexo, pois é provável que tanto a organização curricular de Porto Alegre - Ciclos de Formação -, como a visão de gestão democrática da educação versus modelo de gestão de resultados, seja, de fato, o calcanhar de Aquiles deste debate.
 IDEB, índice criado em 2005, que mede a qualidade de cada escola de dois em dois anos, é calculado tomando por base o desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática, bem como os percentuais de aprovação. Portanto, a instituição escolar recebe uma nota de zero a dez e à secretaria de educação caberá um valor representativo da média das notas das escolas que pertencem a sua rede de ensino.
Para exemplificar, em Porto Alegre, no ano de 2009, considerando-se dois grupos de escolas (grupo A, escolas municipais; grupo B, escolas estaduais localizadas na capital), para o último ano do 1º segmento ensino fundamental, o grupo A obteve a nota de 4,1 e o grupo B conquistou 4,3. Da mesma forma, mas para o ano final do 2º segmento do ensino fundamental, 3,6 e 3,4 para as escolas dos grupos A e B, respectivamente.
Sem dúvida alguma, os resultados acima apontam para uma contradição suficientemente complexa, pois a lógica leva-nos de imediato a pensar que as condições da rede pública municipal são superiores às da rede pública estadual, já que julgamos, sobretudo, três aspectos levantados corretamente pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), e corroborados pelo CPERS-Sindicato, quando se pronunciam sobre as diferentes avaliações veiculadas pelo MEC – Provinha Brasil, SAEB, ENEM, ENCCEJA, etc: Condições de trabalho; formação inicial e formação continuada em serviço.
Sem o necessário aprofundamento, referimo-nos, por exemplo, às condições de trabalho no que é elementar: piso salarial, jornada de trabalho, plano de carreira e aspectos físicos, materiais e recursos humanos das escolas, Porto Alegre coloca-se em larga vantagem diante da rede estadual. Sobre as características formativas dos educadores, a formação inicial ou acadêmica - graduação ou pós-graduação -, está no patamar mais elevado se atentarmos para o restante do país, pois algo próximo a 75% é especialista, mestre ou doutor. Por fim, no que tange à formação continuada em serviço, a rede municipal, não somente educadores, mas o conjunto dos trabalhadores e até mesmo a comunidade escolar, em particular entre os anos de 1989 a 2004, participaram de uma gama imensa de espaços formativos.
Sendo assim, se temos acordo no que tange à possível incompatibilidade da situação da rede municipal de educação e o IDEB, se faz indispensável ecoar o desafio apontado pela disparidade dos dados a partir de outros quesitos.
Sem adentrarmos no debate, mas compreendendo que a presença massiva das classes populares na escola pública e/ou as contradições presentes na tarefa de ser-professor-ser-educador trouxeram desafios novos, vale registrar que há pelo menos duas visões recorrentes sobre este cenário e que se expressam nas falas dos governantes ou de algumas perspectivas pedagógicas: a culpa é do aluno ou é do professor! Ou dos dois!
Entendemos, contudo, que não podemos cair nesta cilada, ou seja, a de indicarmos (ou nos filiarmos) um conjunto de aportes teóricos que justifiquem uma ou outra explicação, inclusive, porque de acordo com a corrente de pensamento encontraremos um rol de desculpas ou de absolvições para ambas.
Nesta direção, confirmando Paulo Freire, um caminho importante a seguir é o de assumirmos, conscientemente, um paradigma epistemológico para, a partir desta escolha, embrenhar-nos na busca de soluções factíveis.
No bojo desta alternativa, já que é o/a professor/a quem assume o papel de mediador/a entre o saber escolar e o/a educando/a, apontaremos outros dois quesitos para, quem sabe, alargarmos nossas compreensões sobre a provocação da ex-secretária de educação.
O primeiro quesito poderá levantar uma polêmica, pois é uma discussão nova, mas mesmo assim decidimos por enfrentar os desdobramentos, caso se apresentem. Estão, os professores, fartos de pacotes pedagógicos? Estão insatisfeitos com o excesso de teoria e/ou com a falta de subsídios voltados ao cotidiano da sala de aula e da comunidade escolar? Sentem-se reféns da alternância dos referenciais assumidos pela(s) SMED(s)? Ou estão incrédulos diante da ausência de posição, já que esta é a opção da gestão atual ao dizer publicamente que não importa a teoria, desde que os alunos aprendam e o IDEB avance?
Para tanto, nos valeremos das reflexões de Villela (2006), pois concordamos com a hipótese de que os professores blindaram-se por influência da enxurrada de pacotes didático-pedagógicos ofertados, mesmo que com boa intenção, pelos governantes, visto que a cada troca de governo (ou de secretário/a em um mesmo governo), quem entra passa a procurar o que “está mal”, e “ainda que responsabilize em grande parte a equipe precedente, ela ativa dispositivos de responsabilização e comprometimento de cada diretor, professor, funcionário, estudante [...]” (p.3).
Villela, à luz desta afirmativa, segue conjeturando que os professores trocaram as perguntas “pelo que pode fazer, pelo que sabe fazer, pelo que consegue fazer e, em lugar disso, pergunta pelo que é que deve fazer. Pouco a pouco transfere o poder de decisão e orientação para uma instância exterior a si”. (p.8).
Nossa proposta, se nos interessa averiguar este primeiro quesito, é perguntar ao professor o que lhe mobiliza, o que poderia provocar-lhe o desejo de ser protagonista na busca e na aplicação de determinada teoria (e prática). Importa-nos, também, que os professores da rede municipal se posicionem sobre o IDEB e sobre a relação deste com as três condições anteriormente descritas. Sensibiliza-nos, da mesma maneira, que possamos descobrir, através do diálogo com os educadores, educandos e com a comunidade escolar, o que esperam e o que precisam da/na escola, pois não estamos de acordo com nenhum “fundamentalismo pedagógico”, expressão cunhada por Villela, mas encontramo-nos em consonância com respostas que venham a superar qualquer explicação simplista sobre a qualidade da educação de Porto Alegre.
O segundo quesito, que não será menos debatido pelo leitor, diz respeito aos conceitos “mal-estar docente” e “burnout”, possivelmente instalados entre os trabalhadores da educação da capital, que surgem quando se deparam com os desafios decorrentes da prática educativa, aparentemente intransponíveis, ou quando os resultados obtidos pelos seus alunos estão aquém do planejado, pois é claro que há insatisfação com a retenção ou com as não-aprendizagens dos mesmos.
De um lado, Mal-estar docente, conceito construído por Jose Manuel Esteve Zaragoza (1992), traduz os efeitos negativos que afetam o professor e que são provocados pelo grau, maior ou menor, de insatisfação profissional.
De outro, Burnout, palavra em inglês que significa perder o fogo ou perder a energia, adotada pela CNTE para denominar a perda de sentido da relação do professor com suas tarefas, pois, segundo a pesquisa feita pela Confederação, parece ao professor que seu trabalho não tem mais sentido, uma vez que o acesso ao conhecimento resulta em pouca ou nenhuma melhoria nas condições de vida dos alunos, vem se configurando em síndrome junto aos trabalhadores da educação, sendo que assim a CNTE se pronunciou: “Burnout é o nome da dor de um profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o que deve fazer e o que efetivamente pode, entre o céu de possibilidades e o inferno dos limites estruturais, entre a vitória e a frustração”. (p. 37).
Tanto um sentimento quanto o outro, manifestam-se, sobremaneira, nas perguntas comumentemente encontradas nas falas dos professores: Porque os alunos não aprendem? Porque a escola não consegue corresponder às expectativas da comunidade? Porque a Secretaria da Educação e a sociedade em geral responsabilizam a escola pelo fracasso escolar? Porque o IDEB não consegue transpor o esforço e os avanços constituídos nos ambientes escolares?
Como está na epígrafe, o trabalho do/a professor/a é revestido de características tão peculiares e complexas que é provável (e esperável) que outros elementos surjam para explicar a incoerência entre o esforço cotidiano das escolas municipais e os resultados obtidos a partir de estratégias oficiais de avaliação.
Portanto, mesmo sujeito a críticas, aqui apresentamos dois novos elementos problematizadores da convicção exposta em Inventário de culpas e a partir daqui esperamos que o debate se amplie, pois não é possível naturalizarmos os resultados, aceitando-os como algo imutável dado a natureza da população que chega à escola ou ao processo crescente de desamparo a que os professores estão submetidos.
O tema da avaliação das políticas educacionais vem sendo pauta permanente do Ministério da Educação (MEC), já que apregoam que a aferição de resultados é condição para a elaboração de planos de ação, entretanto, salientamos que não há pleno acordo sobre a forma como a mesma vem sendo desenvolvida apesar do acordo sobre a importância de haver mecanismos avaliativos das aprendizagens dos educandos da educação básica e do ensino superior, porém, e aqui reside a divergência, que abarquem a complexidade de um país continental.
Por fim, se é necessário avaliar a qualidade da educação, e consideramos que sim, que façamos um amplo diálogo acerca do melhor instrumento e sobre a maneira correta de aferição, superando, com isso, o caráter condenativo (de quem é a culpa) ou rotulatório (é do professor) ou ainda a visão simplista e preconceituosa adotada na nota que provocou nosso pronunciamento.
Em busca de um inventário de sonhos, possibilidades e de compromissos solidários em torno da educação da capital e do estado!






REFERÊNCIAS
CODO, Wanderley & Vasques-Menezes, Iône. Burnout: sofrimento psíquico dos trabalhadores em educação. In: Cadernos de Saúde do Trabalhador, s.a.
VILLELA. Marcos Pereira. POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO E O ALASTRAMENTO DA MÁ CONSCIÊNCIA. Disponível em: <http:// www.dtp.uem.br/rtpe/volumes/v11n2/001-artigo_marcos-127-134.pdf. Acesso em: 26 jan. 2011.

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