terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os desafios da Educação Pública no Rio Grande do Sul

Por Claudio Sommacal [1]

A realidade educacional pública estadual no Rio Grande do Sul passa por turbulências, especialmente a partir das investidas realizadas pelo governo que propôs mudanças estruturais que mexem com as carreiras dos trabalhadores, a gestão, o acesso e o conhecimento.

Todos sabíamos que um governo assentado nas políticas neoliberais iria trabalhar para enfraquecer o Estado deixando de cumprir o papel de promotor de políticas sociais e de indutor do desenvolvimento. Ao longo de vários meses de governo, assistimos a uma sucessão de medidas que acabaram por tumultuar áreas vitais da estrutura do Estado como foi o caso da educação.

A verticalidade das decisões é método corrente nos governos fechados na soberba. O diálogo não existiu e a prática política dos gestores mostrou a forma mais centralizada na tomada de decisões. Não houve construção, mas tentativa de imposição. Foi assim que a secretária de educação, Mariza Abreu, já nos primeiras medidas, anunciou medidas que culminariam com o fechamento de escolas, a municipalização, a enturmação, a multisseriação, o corte de verbas para investimentos; o atraso no repasse da autonomia financeira; a escola em conteiners; o combate às entidades dos servidores e uma série de iniciativas[2] visando retirar direitos enfraquecendo as carreiras.

A padronização e a uniformização dos conteúdos dos livros didáticos, dos processos de aprendizagem e do controle gerencial mostrou que o caminho escolhido pela governadora e sua secretária de educação estava firmado na política de resultados onde, em geral, os indivíduos são vistos como objetos facilmente substituíveis na engrenagem cada vez mais desumana do mercado.

Era preciso investir no sucateamento do serviço prestado pelo Estado na área da educação pois isso iria abrir caminho para o ingresso da iniciativa privada. Não foi sem motivo que os empresários foram chamados para implantar as políticas gerenciais de resultados. Neste sentido, o modelo idealizado no Rio Grande do Sul, na área educacional, buscou referenciar-se na gestão de governos neoliberais como o de Minas Gerais, onde a iniciativa privada foi chamada a regular a gestão da escola pública.

Em Minas Gerais, sob a construção de um “Choque de Gestão”, foram tomadas inúmeras medidas insuficientes para melhorar a qualidade da educação pública. É o que apontam análises científicas (RICCI, 2009)[3] Entre as medidas nefastas experimentadas pela rede pública estatal mineira está a avaliação de desempenho individual. A avaliação institucional firmada no conceito de produtividade e valorização, implantada em 2003, foi preconizada como um instrumento que viria a melhorar a motivação do magistério e a contribuir para a qualidade da educação na rede pública. Passados seis anos, as avaliações mostram que o sistema adotado desestruturou a carreira e não modificou os níveis de qualidade da educação ofertada. Fatores como os níveis de pobreza social onde a escola está inserida acabaram reproduzindo a exclusão dos recursos porque os professores de tais escolas não receberam os mesmos incentivos das escolas localizadas nas zonas mais privilegiadas do Estado. Naquele Estado a meritocracia a partir dos resultados escolares serviu para aprofundar a divisão na categoria.

MENOS VERBAS PARA EDUCAÇÃO

O governo neoliberal buscou amparo no Banco Mundial que é a organização que determina as políticas a serem implementadas em muitos países em desenvolvimento. O banco concede empréstimos, mas condiciona as políticas dos governos que devem ser adequadas ao que estabelece o Consenso de Washington[4].

Aceitando as imposições externas, a governadora pediu um empréstimo de US$ 1,1 bilhão, concedido em duas etapas, mas, em troca, deveria enxugar os gastos do Estado, com funcionalismo e operar mudanças nas carreiras. A medida foi ganhando corpo com a redução de investimentos em várias áreas sociais. Assim, a primeira área a ser arrochada seria a educação. A primeira medida foi desrespeitar a Constituição Estadual que no seu artigo 202 manda investir 35% das receitas correntes líquidas de impostos com educação e o mínimo de 12% em saúde. Em 2008, investe apenas 28,9% em educação e 10% em saúde. A subtação de investimentos em áreas sociais importantes gerou R$ 1,06 bilhão e, junto com os recursos do empréstimo feito junto ao Banco Mundial, serviram para que a governadora Yeda alardeasse o “déficit zero”. do Governo.

Para se ter idéia precisa da redução investimentos em educação no RS, tomamos como referência a análise da doutora Dolores Ocampos[5] (CAMPOS, 2009) apontando que o custo aluno anual no RS fica aquém do definido pela arrecadação do Produto Interno Bruto. Em 2008, nosso PIB per capita foi de R$ 17.281,00. E, manda o Plano Nacional de Educação e está nas diretrizes do Fundeb que a base de investimentos em educação seja, no mínimo, 20% deste valor. Mas, conforme dados da Fundação de Economia e Estatística – FEE, o valor aplicado em cada nível ou modalidade foi inferior ao percentual exigido. (Veja tabela anexa).




Um tempo antes, a governadora iniciou privatizando parte do Banrisul com a venda de ações, justificando que os recursos seriam destinados para a formação do fundo previdenciário dos servidores, mas a receita, a exemplo do fundo previdenciário também recolhido pelo então governador Antonio Britto, corre o risco de sumir diluído em outros gastos. De igual modo, atendendo aos princípios de um governo que não estimula cadeias produtivas mas privilegia isenções fiscais a grandes empresas, possibilitou que, em 2007 e 2008, houvesse substancial renúncia fiscal de impostos via programas como o Fundopem. Isto também significou menos verbas públicas para investimentos sociais.

MENOS AÇÃO PÚBLICA

A opção feita pelo governo nos últimos anos está centrada na desobrigação constitucional de realizar investimentos em educação. As iniciativas implementadas com a gestão de Mariza Abreu foram centradas no descarte de escolas e na manutenção mínima com uma tentativa permanente de reduzir direitos dos servidores além da ausência de valorização funcional.

Foi com o atual governo que parte das ações de gestão das escolas foi aberta à organizações da iniciativa privada – Unibanco – e num incentivo ao voluntariado que passou a entrar nas escolas para conduzir projetos que, na verdade, deveriam ser geridos por agentes públicos. O fato de o governo estadual buscar apoio e cooperação educacional através de consultoria do Serviço Social da Indústria - SESI e da Fiergs e Federasul, entidades empresariais que passaram, através da Agenda 2020, a influenciar os rumos do governo. Com estas entidades, surge a política de resultados, cada vez mais centrada na qualidade total e definitivamente contaminando o espaço escolar com a linguagem mercadológica que vê o professor como um indivíduo descartável e o aluno como um cliente.

Nesta lógica, não houve investimento em concurso público e aumentou nas escolas o espaço para a contratação crescente de trabalhadores admitidos por contratos precários sem direito a carreira e vantagens. Não é possível construir a autonomia da escola sem investir num quadro de servidores permanentes.

POR UMA EFETIVA FORMAÇÃO CONTINUADA

Os esforços do governo federal no desenvolvimento de programas de qualificação docente não encontraram eco no RS. O MEC, através da Plataforma Paulo Freire, ofereceu 330 mil vagas de cursos presenciais e à distância para professores que lecionam disciplinas diferentes da de nomeação. São complementações de licenciaturas através de cursos gratuitos em Universidades públicas. Para que os professores possam participar do programa, era necessário a adesão das secretarias estaduais. Mas, o Estado que buscou um caminho próprio, não aderiu ao programa e impediu que milhares de professores pudessem buscar a qualificação.

Há, no governo, uma concepção desvirtuada do que seja formação continuada de professores. A mantenedora orienta as escolas a incluir, no calendário anual, momentos de formação continuada. Mas, sem uma linha definida, as escolas acabam maquiando esta formação que fica limitada a reuniões de organização interna ou a jornadas de estudo. São poucos os professores que conseguem participar de atualizações pedagógicas em cursos regulares nas universidades. Primeiro porque as próprias universidades não oferecem os cursos e, segundo, porque, quando existem, têm que ser bancados pelos próprios professores que têm dificuldade de serem dispensados para frequentá-los. A Licença Qualificação Profissional (LQP), um direito previsto na carreira, na prática, acontece de forma residual no Estado.

DEMOCRATIZAR A GESTÃO

A escola deve ser o berço da sociedade onde os indivíduos aprendem a vivenciar a democracia. Isto deve se manifestar através do funcionamento articulado e democrático dos órgãos colegiados como a direção, o conselho escolar, os grêmios de alunos e professores e o conselho de classe.

É, igualmente, estranho notar que muitas administrações municipais, que se denominam democráticas, não tenham ainda implementado a democracia com a escolha direta das direções.

A atual gestão também não potencializou o espaço dos Conselhos Escolares como órgãos de vivência da democracia nas escolas. Constituídos por pais, alunos, professores, funcionários, formam a gestão da comunidade escolar. O Conselho Escolar com funções administrativa, financeira e pedagógica deveria ser um espaço permanente que reforça a gestão democrática das escolas públicas, fiscalizando a aplicação dos recursos destinados à escola e discutindo o projeto pedagógico com a comunidade escolar.

Inserem-se, ainda, como espaços de gestão a existência de grêmios de alunos e professores, realidade cada vez mais desestimulada nas escolas da rede pública estadual.

DEMOCRATIZAR O ACESSO

O atual governo não se preocupou em garantir o acesso ao maior número de alunos. Inicialmente, investiu na municipalização do ensino, repassando a demanda do Ensino Fundamental para a gestão dos municípios. Ávidos por receita proveniente das matrículas, os prefeitos acordaram com o Estado, o repasse de alunos que estudavam em escolas da rede estadual. Assim, nos três anos de gestão Yeda foram municipalizadas mais de escolas estaduais. Houve também o fechamento de escolas que possuíam poucos alunos. Há, também, a redução das matrículas nos programas de alfabetização de adultos NEJA e EJA.

Na mesma lógica se situa a desarticulação das ações de ensino superior geridas pelo Estado via Universidade do Estado do Rio Grande do Sul.. Ano a ano cursos são fechados, decrescendo o número de alunos matriculados.

DEMOCRATIZAR O CONHECIMENTO

A qualidade da educação pública está relacionada com as condições do espaço físico e a qualificação do corpo funcional das escolas. A redução de investimentos em educação em nosso Estado, reflete o aumento das dificuldades nas escolas e se expressa através da falta de equipamentos e de pessoal nos setores – biblioteca, laboratórios de química, física e informática – nos poucos recursos para a manutenção da rede física e no reduzido material de consumo.

Sem uma escola atraente e sem professores motivados e atualizados, as aulas se tornam um suplício para muitos alunos que acabam desistindo de estudar. A desatenção é tanta que nem mesmo a merenda escolar, obrigatória desde abril de 2009 nas escolas de Ensino Médio do país, foi viabilizada aos alunos gaúchos como meio de mantê-los frequentando as aulas. A reprovação e a desistência ainda são a marca da escola pública que não encontrou meios para motivar professores e alunos a superarem esta trágica realidade.

ISOLAMENTO DO ESTADO

O Governo Federal desencadeou um debate nacional visando construir o Sistema Nacional Articulado de Educação através da Conferência Nacional de Educação – Conae 2010. O Rio Grande do Sul deliberou por não participar. Uma decisão que refletiu o isolamento do Estado nos debates feitos através de conferências municipais, intermunicipais e estadual sobre o tema. Não é possível compreender que, no momento em que o país avança na construção articulada de princípios e diretrizes da educação nacional, nosso Estado se omita. Felizmente alguns educadores da rede estadual, compreendendo a importância deste espaço democrático, se inseriram nos debates da Conae 2010.

CONCLUSÃO

Não restam dúvidas que o resgate do projeto educacional na rede pública estadual passa por uma concepção de projeto que respeite a cidadania, dialogue e valorize os sujeitos que constroem diariamente a escola. Mas, acima de tudo o projeto educacional tem que visar a uma sociedade solidária, justa, humana e igualitária. br>

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[1]Claudio Sommacal é professor de Filosofia da rede pública estadual do Rio Grande do Sul, jornalista, publicitário e especialista em Comunicação Social.

[2]Entre as medidas propostas pelo governo para alterar os direitos do funcionalismo estão: retirada da gratificação por tempo de serviço; matriz salarial baseada na arrecadação de impostos e a política de valorização firmada na meritocracia.

[3]RICCI, Rudá. In: Avaliação de desempenho na educação mineira: o empresariado do serviço público. Cf. Jornal Sineta Especial, abril de 2009, p.2, Porto Alegre.

[4] O termo "Consenso de Washington" foi criado por John Williamson, em 1990, originalmente para significar "o mínimo denominador comum de recomendações de políticas econômicas que deveriam ser aplicadas nos países da América Latina, obrigando a um elenco de medidas e para justificar políticas neoliberais, como: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros e câmbio de mercado; abertura comercial; investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições; privatização das estatais; desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas); direito à propriedade intelectual (royalties).

[5] OCAMPOS, Dolores. In: Municipalização do ensino no contexto do projeto neoliberal do governo Yeda, Cf. Jornal Sineta Especial, abril de 2009, p. 6, Porto Alegre.

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